07/05/2004 CooJornal nº 367
ARQUIVO
IRENE SERRA
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Irene Serra
MAÇÃZINHA ROSADA
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Nasceu, e bem aqui caberia usar o chavão popular, em berço de ouro. Não era
novidade naquela casa repleta de crianças entrando e saindo em uma algazarra e
zoeira que contagiava até os mais velhos, o aparecimento de mais um rebento.
Só que dizem, sua chegada da Beneficência Portuguesa, onde nascera, mudou o
cotidiano da família. A começar pela enfermeira que, ao entregá-la ao
orgulhoso pai, exclama em forte sotaque: "Ora, pois, é uma maçãzinha rosada esta sua filha." Só que não fica nos
cumprimentos de praxe, faz questão de ser ela própria a levar a menina para
casa. "É para que não a apertem muito! É tão frágil! Um docinho! Acabam
esburrachando esta criança."
E de nada adiantava dizer à robusta
portuguesa que a mãe saberia muito bem lhe dar cuidados, além do que, ali já
estava a postos a babá dos outros irmãos. Por sua vez, a babá já demonstrava
sinais de irritação com aquela visita ofensiva que lhe tirava dos braços o
anjinho que, ela também, sentia que carregara no seu ventre, pois inúmeras
vezes pusera as mãos sobre a barriga da patroa a sentir o feto se saracoteando
em nado livre. Eram duas mães, não havia lugar para mais ninguém!
À
noite, momento sagrado: o quarto quase na penumbra, com ternura o pai a
aconchegava ao colo e, a andar de um lado ao outro, cantarolava suavemente
Brahms, Mendelssohn, Liszt, improvisando as mais lindas canções de ninar;
canções estas que passaram a fazer parte de sua estrutura emocional e foram o
esteio de seu conhecimento musical.
Assim crescia a menina, rodeada de
carinho e só conhecendo o amor e a felicidade. No entanto, nesta mania que os
adultos têm de se expressar afetivamente usando tudo em inho e de levar as
sensações ao paladar, constantemente estava a ouvir: "A boca é um
moranguinho!", "Vem aqui, meu algodão-doce!", "Ah, os cabelos são cor de
mel!". E, a cada uma destas comparações, lá vinham os pais relembrar a
história da enfermeira.
Até que, certo domingo, chega um tio a passeio.
Mal a vê, exclama: "Vem aqui, bolachinha do Tilinto". E toca a lhe apertar
as bochechas entre os dedos, afetuosamente. Neste momento, a mãe chama a
copeira, orientando-a a levar a filha para dentro e mandando-a servir o
lanche, não esquecendo a torta de maçã, que o visitante tanto apreciava.
Súbito, uma explosão de gritos e choro. O pai aflito corre e encontra a
criança agarrada à saia da babá: "Me protege. Sei que sou uma maçãzinha, mas
não quero ser servida no lanche!"
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Irene Vieira Machado Serra
foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ
irene@revistariototal.com.br
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