Irene Serra
Ainda ontem...
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Mal acabei de externar minha angústia em ver Mariazinha - minha babá
Bibia – chegando ao seu fim, o destino me joga, de solavanco, em frente a um
leito de hospital, onde vejo minha mãe e não posso deixar de chorar.
Chorar? Eu deveria ter vergonha! Ali está ela a nos sorrir, brincar, dando
injeção de ânimo aos filhos e passando-nos o “dever de casa”, delegando às
amigas o exercício de suas atividades para que nada seja interrompido até
que ela saia do hospital.
Começam os telefonemas à e da família, visitas, um ir e vir sem fim, mais
um caminhão de recordações. E não posso me conter ao ver a repetição do
mesmo ato falho de há 12 anos, quando em situação semelhante nos
encontrávamos.
Naquela ocasião, Murilo marcara de me buscar no meu consultório, para
vermos mamãe que tivera uma parada cardíaca após a colocação de 4 pontes
de safena. Ir de Ipanema à Beneficência Portuguesa, no Catete, parecia uma
viagem sem fim... E eu na portaria, esperando o danado do Murilo, que nem
sempre é muito bom de horário. Ao ver o carro dele parando em minha
frente, abri a porta abruptamente e estiquei o rosto para lhe dar um
beijo. Que susto! Não era este o meu irmão.
Idiotamente, sem ter o que falar, iniciei o mais estapafúrdio diálogo,
perguntando ao assustado motorista:
- Esse carro não é uma Belina?
- Não senhora, é uma Quantum.
- Ah, então não me serve!
E saí do carro naturalmente, como se nada houvesse acontecido. Por quê?
Que loucura foi essa? Ainda bem que em instantes Murilo chegava...
Há alguns dias eu esperava este mesmo irmão para irmos ao Hospital São
Lucas ver minha mãe, internada por dor de angina, após tantos anos sem ter
problemas. - Faço aqui um parênteses para ressaltar que todos meus irmãos são
dedicados e sempre prestativos, apenas, por força das circunstâncias,
nós dois é que estávamos juntos em ambos os momentos. Eis que vejo seu carro
chegando e, para aproveitar o sinal fechado, nele entrei rapidamente. Como
sabia que minha cunhada iria conosco e ela ali não estava, perguntei:
- Murilo, Maria Helena não veio?
Um apavorado indivíduo responde, colocando as mãos no peito: - Não sou
Murilo e nem conheço Maria Helena. Mas o que a senhora quer? Pode falar
com calma, vamos nos entender!
Desculpei-me e saí de fininho, sem nem olhar para os lados. A impressão é
que todos na rua estavam a me observar, tentando decifrar um enigma. E que
o homem, no mínimo, pensara que ía ser assaltado.
Ah, minha mãezinha! Por favor, vamos sair logo deste hospital! Nós a
amamos muito, estamos mortos de saudades! E esta sua filha está se mostrando um
perigo nas ruas, a cada vez que a senhora nos dá um susto!
(13 de novembro/2003)
CooJornal no 340
Irene Vieira Machado Serra
professora,
foniatra, psicóloga, editora da Revista Rio Total
RJ
irene@riototal.com.br