Irene Serra
EXTERMINANDO FORMIGAS
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Apareceram de repente, formando uma trilha pela cozinha. Não havia remédio
que as matasse e eu estava procurando novas fórmulas para conseguir acabar
com elas de vez. Toda semana fazia uma experiência diferente, mas nada
funcionava a contento. Naquele dia, usei novo preparado cuja garantia
afirma eliminar estes insetos himenópteros em sua própria moradia.
Estava neste afã, quando, sem avisar, tocam a campainha. Entra, abatida,
uma vizinha amiga. Quer conversar, trocar idéias. E, como não nego
assistência, fiz da minha sala de estar um consultório. Explica que está
meio confusa, pois lera uns bilhetes que escreveram para seu marido.
Indago se conversaram sobre isso, ao que ela acrescenta que ele lhe
dissera serem sem importância, de alguém do trabalho que insiste em
procurá-lo. Rasga-os, então, acrescentando que nada há entre os dois e que
ele já pedira a esta pessoa que não escrevesse mais, para afastar-se. E
desabafa sobre seus conflitos, seus temores em relação ao futuro, ao
trabalho, às dificuldades que está enfrentando.
Eu os conheço e sei que construíram um lar (quase) perfeito, onde amor e
lealdade predominam. Fica difícil imaginar algum tipo de
desentendimento. Meu pensamento dá uma volta e focaliza, no éter, o olhar
do Luiz - para quem está chegando agora, é ele quem me faz
tentar ser sempre melhor do que sou. Aqueles que conosco convivem sabem de
nossa harmonia e do meu encanto a, apenas pelo olhar ou um simples
sorriso, ele sentir o que penso e me estender a mão. Assim, também,
procuro pequenos detalhes para fazê-lo feliz, em um amor transbordante que
permanece em mim o mesmo desde que o conheci. Nunca tivemos uma briga, um
levantar agressivo da voz. Marasmo? Não! Identificação! Somos amantes,
amigos, cúmplices. O sexo é lindo, sem restrições ou barreiras.
Mas também temos nossos problemas e dificuldades, que resolvemos
conversando, não nos importando quantas vezes tenhamos que debater um
determinado assunto. Enquanto ele fuma seu cachimbo – hum, que agradável
este último tabaco que lhe dei! – fico vendo o balançar das folhas e os
passarinhos que vêm da mata até nossa janela. Aqui é o paraíso!
Conversando... epa! Ao divagar, acabei por fazer em público uma declaração
de amor e, por um instante, deixei de ouvir minha amiga! Volto a
concentrar-me e a observo sofrida, aflita. Como quero animá-la! E sugiro,
timidamente: Por que não chama seu marido para conversar novamente, mais a
sério? Não há tempo a esperar, desnude-se. Perca o dia de trabalho, mas
não adie a conversa. Ela parece aquiescer.
Despedimo-nos e retorno à cozinha. As formigas desapareceram, como por
encanto. O veneno estava correto. E eu, feliz, cantarolo músicas da Bethânia, entre tantas das que ouvimos enquanto
estamos trabalhando no computador, madrugada a dentro.
Alguns dias depois minha amiga retorna. Conto-lhe da minha satisfação ao
comprovar o extermínio das formigas e ela diz a que veio: continuar a
conversa anterior. Sento-me confortavelmente e ouço, incrédula, que há uma
invasão da privacidade do seu lar com emails, cartas e telefonemas, mostrando que
a intenção é tirar a paz – e o homem - daquela casa. O que orientar? O que
lhe dizer, se tanto sofre por amor? Tento: É notório que todo ser fragilizado, o
homem, principalmente, fica suscetível às investidas do sexo oposto. E é
aí que a outra se aproveita, mostrando-se alegre, compreensiva, a
verdadeira mulher para o seu futuro. E o homem lhe dirá que não é feliz,
que não está bem, etc... aqueles chavões conhecidos e que só Adão não teve
a oportunidade de dizê-los. Mas, como seu marido já lhe explicou que nada
há, não permita que a outra destrua o relacionamento de vocês. O casamento
é uma relação de confiança mútua. E, neste momento, a verdade passa a ser o que ele achar
necessário que você saiba. Se preserva o casamento de vocês é porque a
ama, portanto, creia nele como sempre o fez. Ruiu o castelo que
construíram? Nunca! Ele foi apenas remoldado. A areia molhada fortaleceu a
estrutura, a água solidificou novos desenhos. E quando acabar este tempo
chuvoso e o sol novamente os levar à praia, verão as crianças nele
brincando, a sorrir, felizes. E vocês recomeçarão, então, uma vida mais
unida, mais perfeita, mais plena de amor.
Um barulho de chaves no hall social e ela se levanta num ímpeto,
despedindo-se apressada, sem me deixar acabar de falar, e deixando minha
porta entreaberta. Enquanto vou fechá-la, vejo-os arrulhando, abraçados e
constato que ali está ele, voltando de onde nunca havia partido!
(17 de maio/ 2003)
CooJornal no 315
Irene Vieira Machado Serra
professora,
foniatra, psicóloga, editora da Revista Rio Total
RJ
irene@riototal.com.br