16/01/2024
Ano 27 - Nº 1.401


 

 

ARQUIVO
IRENE SERRA





 

Irene Serra



O ENCANTO DAS SAMAMBAIAS

 

 

Desde menina ela gostava de plantas. Não tanto de flores, e sim do verde, da grama, das samambaias. Admirava as folhas das árvores e, da janela do apartamento onde morava, em Ipanema, acompanhava seu crescimento.

Já adulta, quando ia ao sítio em Teresópolis, ficava namorando o verdejante entorno. Andava com a mãe pelas trilhas do morro, onde havia até banquinho para sentar, e esta lhe mostrava flores que estavam nascendo ali e acolá. Voltavam passando pelo orquidário e a mãe comentava como era interessante o gosto da filha, dando preferência às folhagens e não às flores. Quando ia para o lado das hortênsias, com o pai, ele levava um pequeno formão e tirava minúsculas mudas verdes da encosta do morro para lhe dar. Depois, achatava os buraquinhos, para que a terra logo se recuperasse.

Certa ocasião, quando comentou que “quando tivesse muito dinheiro faria um hospital para plantas”, a mãe respondeu inconteste “hospital, não; um hotel, um recanto de alegria, visitado por passarinhos”.

De quando em vez, o irmão caçula lhe trazia uma samambaia do sítio e ela dependurava na sala, toda feliz. Eram tantas que acabou fazendo uma fileira de samambais presas ao teto, em frente à janela da sala. Ah, sempre o caçula, que não sai de suas histórias e pensamentos desde que ele nasceu − e o pai, a quem depois de lhe dar a mamadeira noturna, ficava a cantar ternamente, “aaapopopô”, andando devagarinho com o bebê nos braços, pra lá pra cá, pra lá pra cá, até que ele dormisse

Madura, insanamente (o que a paixão nos faz!) acompanhando o marido em mudanças inúmeras, encontrou-se no interior de São Paulo. Pediu ao irmão que lhe trouxesse samambaias e flores, que a esta altura por estas já se apaixonara, para enfeitar a nova casa e, na primeira oportunidade, voltou ao Rio onde as pegou. Eram inúmeras e muitíssimo bem embaladas, tanto que chegaram perfeitas, sem nem uma folha caída. Imagino o trabalho e o tempo demandados pelo irmão para escolher e acondicionar tantos vasos.

E por onde foi, casas e casas, todas as plantas a acompanharam. Parece que elas gostavam de sua companhia tanto quanto ela delas gostava, pois estavam sempre viçosas e lindas. Até que, por obra do infortúnio, viu-se em apartamento e, já sem espaço para tanto, deu as orquídeas e suculentas a uma tia; chifres de veado, samambaias do Amazonas, avencas, antúrios e muitas outras foram distribuídas a alguns familiares, ficando apenas com duas samambaias.

Ah, as duas reclamaram! Sentiram-se mesmo incomodadas por estarem afastadas das outras, daqueles jardins a que estavam acostumadas, e emudeceram. Não adiantava a já senhora de cabelos brancos delas cuidar com todo carinho, dizendo-lhes que elas estavam nos xaxins originais do sítio, que tinham sido plantadas há muitos anos, eram história de várias vidas. Nem resposta! Hibernaram.

Sem esmorecer, continuou a regá-las e a lhes dar atenção. Pelo menos cinco anos se passaram até que, na primavera, um brotinho surgiu aqui, outro ali, e a renda portuguesa desabrochou. Repolhuda e sorridente. Era hora de cortar um rizoma e plantá-lo no outro xaxim, que continuava calado. E em muito pouco tempo, surpresa! De um lado começava a explodir uma samambaia do Amazonas (estaria adormecida no xaxim?) e, do outro, aparecia uma tímida renda portuguesa. Força, meninas, vocês chegam lá!

E com tantos brotos surgindo, moradia rejuvenescida, alma cantante, a quem agradecer? A Deus e ao sempre irmão.

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Irene Vieira Machado Serra
foniatra, editora e diretora da Revista Rio Total
RJ 
irene@revistariototal.com.br

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