15/07/2017
Ano 20 - Número 1.037
Arquivo Giselle Serra
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Giselle Serra
PRECONCEITO
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Estou eu linda e bela - pero no casta - voltando pra casa num busão. Eis
que me entra um ambulante e suas boas balas no veículo.
Eu, como sempre, retiro meus fones para ouvir seu
discurso. Costumo fazê-lo por respeito. Não me custa dar ouvidos a alguém que
tá ali trabalhando.
Não ouvi
uma palavra em função da distância - eu no fundo e ele naturalmente lá na
frente - por isso o chamei para perguntar o preço da paçoca. Comprei. Paçoca
nunca é demais. Dei boa tarde e coloquei meus fones novamento nos ouvidos. Mas
reparei que ele não saía do meu lado e não parava de me encarar. Algo
nitidamente o incomodava. Digo isso pelo seu olhar.
Tirei os fones novamente e perguntei se tava tudo
bem. Eis que me vem ele:
-
Você teve câncer? Por causa do cabelo...
Respondi que não, que era raspado por vontade
própria. A resposta veio quadrada:
- Deixa seu cabelo crescer. Mulher é bonita de cabelo
comprido. Deixa assim longão.
Aí respondi dizendo que não concordava. Que a mulher
ficava bonita como ela se sentisse a vontade, assim como os homens. Citei os
caras de cabelão e as moças de cabelo curtinho e emendei um "você não
concorda?". Outra resposta enviesada do rapaz:
- Deixa Jesus trabalhar na sua vida.
Respirei fundo, estampei um sorriso no rosto e disse
que ele trabalha sempre. Depois desejei que o Jesus dele (certamente não é o
que eu conheço) trabalhasse na dele também.
Ele torceu o nariz e desceu do ônibus.
Depois disso, o moço que estava em cólicas ao meu
lado, dado o desconforto da situação, começou a se contorcer. Daí pensei alto:
- Sabia que poderiam achar que era câncer. Mas agora
só consigo pensar que o grande câncer da história - e da sociedade - é mesmo o
preconceito.
Giselle Serra RJ
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