01/06/2017
Ano 20 - Número 1.031




 

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Giselle Serra


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"Amigo da Cultura"


 

Giselle Serra


FILHOS

 

 


Os filhos... ah, eles têm essa mania chata de dizer que não gostamos deles quando contrariados. Fazem aquela cena para o nosso coração apertar, choram, esperneiam e voltam para esse argumento, como se isso fosse argumento. Mas o que eles não sabem é que eles têm toda razão.

Nós, mães, não gostamos deles. Gostamos de ouvir música, passeios ao ar livre, ler um bom livro, saborear um prato especial. Gostar. Não. Gostamos de nos cuidar e nos sentirmos queridas, protegidas, tal qual eles precisam se sentir seguros e acolhidos. Gostamos de palavras mágicas, de cartinhas sem razão de ser, de ser a maior das criaturas em seus desenhos. E de preferência, que estejamos no lado deles no desenho, ambos sorrindo.

Mas deles não gostamos. Gostamos dos colegas deles, da professora divertida, da aula de capoeira e de fritar batata frita para eles. Gostamos do cotidiano e suas pequenas delicadezas, surpresas e alegrias. Gostamos até das manhas, para ser bem sincera.

E por falar em sinceridade, não gostamos deles. Mãe que gosta de filho é no mínimo suspeita. Mãe que é mãe e se entende e se sente mãe, ama filho. Gostar é verbo minúsculo que não contempla um milésimo do sentimento que nutrimos por essas criaturas.

A bem da verdade, nem amar dá conta. Ser mãe é questão de ser. Ser forte, ser de si, ser para o outro. Ser antes criança que adulta, antes filha do que mãe, antes amiga que educadora. Ser mãe é um ser que não se sabe ser, mas que busca saber-se antes de assumir seu papel. Ser mãe é admitir que nada se sabe, que não se sabe mais do que ninguém, especialmente que os filhos, mesmo sabendo que precisa ocupar o lugar do saber.

Ser mãe é tanto que nem sei. Mas reconheço quando ele diz que não gosto dele. Acato a denúncia e assumo. Porque gostar não me cabe, tampouco cabe ele. Eu amo ou mais. E por vezes me fragmento nessa árdua tarefa de ser mais que saber ser.

Me fragmento, não pela fragilidade inerente ao meu lugar de mãe, mas para sê-lo e ocupá-lo quantas vezes mais for necessário.



Giselle Serra
RJ