Enéas Athanázio
QUIPROQUÓ
|
|
Passados muitos anos, voltei a
ler Passados muitos anos, voltei a ler Camilo Castelo Branco, um dos mais
importantes romancistas portugueses e que exerceu grande influência sobre os
brasileiros. Desta vez escolhi o romance “A Brasileira de Prazins”, publicado
entre nós por Martin Claret Editora (S. Paulo – 2003)., um dos mais importantes romancistas portugueses e
que exerceu grande influência sobre os brasileiros. Desta vez escolhi o
romance “A Brasileira de Prazins”, publicado entre nós por Martin Claret
Editora (S. Paulo – 2003). Escrito em 1882, em São Miguel de Seide, onde o
escritor residiu na última fase da vida, é redigido em linguajar encruado e
muitas vezes difícil de entender, exigindo muita atenção e constantes
releituras. Há trechos que constituem verdadeiro quiproquó para o leitor de
hoje. Por outro lado, ele desanca sem piedade algumas figuras da época como se
estivesse fazendo um libelo.
“Pois vês aí! Foi ele o primeiro que conheceu
o senhor D. Miguel, é o que foi, e Sua Majestade gosta muito dele. Foi feliz o
diabo do homem! Aquilo vai a governo, tu verás, e já ouvi dizer que o sobrinho
dele, o Padre Zé da Eira, o de Rio Caldo, que é zamagra, está cônego.
Limparam-se da carepa, é o que é. A mulher dele já botou no domingo passado a
sua saia e jaqué de pano azul. E que rico pano” (P. 53). Esse trecho bem
demonstrativo da forma como ele ataca os desafetos encastelados no governo,
alude a D. Miguel I, rei que foi deposto do trono e se tornou uma espécie de
fantasma no cenário da época. É visto em toda parte, como clandestino, sob
pena de ir para a cadeia e surgem até indivíduos que tentam se passar por ele.
Os miguelistas, cheios de esperança, fornecem até dinheiro para a revolução
que o colocará outra vez no poder e que vai acabar nas mãos de aproveitadores.
Há até uma cena hilariante do falso rei descoberto pela polícia na casa de um
padre e que se esconde entre as pipas da adega onde é descoberto e
desmascarado.
Em outra passagem ele descreve o exagero das refeições do
rei, “uma deglutição formidável.” A criada, muito jovial, observa a refeição
do rei. “Esse senhor, – pensa ela – pelo que come, parece que tem passado
muitas fominhas! Ninguém há de crer o que Sua Majestade atafulha naquele
bambulho! “ De fato, o cardápio impressiona: espeto para trinchar finas
camadas, esbrugava uma unha de porco, seguiam-se tripas, lombo de porco no
salpicão, vitela, tripas... Após a copiosa refeição, “o rei saía a limpar as
régias barbas oleosas.” Mas ainda, vinha o café com fatias torradas de
manteiga nacional, tudo regado a vinho branco. Depois el-Rei fumava charutos
espanhóis de contrabando, “desabotoava o colete, dava arrotos, repoltreava-se
na cadeira de sola e vaporava grandes colunas de fumo que se espiralavam até o
teto.” Mas alguém o esperava e el-Rei, em passos pesados, tratava de atender.
Enquanto isso, a brasileira de Prazins bole com a imaginação e incendeia a
mente dos portugas.
Camilo Castelo Branco (1825/1890) publicou uma vasta e
variada obra, embora mais aclamado como romancista. No ano de sua morte
publicou “Nas Trevas”, volume de poesia que é considerado como uma despedida,
pois foi então que, muito doente e cego, se suicidou consternando o meio
cultural de Portugal, do Brasil e dos países de língua portuguesa. Teve uma
vida agitada, repleta de incidentes e tentativas frustradas e chegou a ser
preso por adultério (imagine-se!) em virtude da louca paixão por Ana Plácido,
mulher casada, com quem acabou vivendo pelo restante da vida. Segundo a
crítica, Camilo Castelo Branco ”reconstituiu em suas obras o panorama dos
costumes e os caracteres do Portugal de seu tempo.” Essa intimidade com o solo
português dificultou sua expansão universal, ainda que muito se dedicasse à
leitura dos autores franceses.
No Brasil, Camilo teve um grande entusiasta
em Monteiro Lobato, seu leitor e divulgador. Vários críticos enxergam em sua
obra, em especial nos contos, vestígios da influência camiliana. “A
Brasileira de Prazins” é uma de suas obras mais lidas e integra a fase
naturalista de sua produção.
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
Direitos Reservados É proibida a reprodução deste artigo em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do
autor.
|