16/11/2024
Ano 27
Número 1.391





ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


QUIPROQUÓ

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal


Passados muitos anos, voltei a ler Passados muitos anos, voltei a ler Camilo Castelo Branco, um dos mais importantes romancistas portugueses e que exerceu grande influência sobre os brasileiros. Desta vez escolhi o romance “A Brasileira de Prazins”, publicado entre nós por Martin Claret Editora (S. Paulo – 2003)., um dos mais importantes romancistas portugueses e que exerceu grande influência sobre os brasileiros. Desta vez escolhi o romance “A Brasileira de Prazins”, publicado entre nós por Martin Claret Editora (S. Paulo – 2003). Escrito em 1882, em São Miguel de Seide, onde o escritor residiu na última fase da vida, é redigido em linguajar encruado e muitas vezes difícil de entender, exigindo muita atenção e constantes releituras. Há trechos que constituem verdadeiro quiproquó para o leitor de hoje. Por outro lado, ele desanca sem piedade algumas figuras da época como se estivesse fazendo um libelo.

“Pois vês aí! Foi ele o primeiro que conheceu o senhor D. Miguel, é o que foi, e Sua Majestade gosta muito dele. Foi feliz o diabo do homem! Aquilo vai a governo, tu verás, e já ouvi dizer que o sobrinho dele, o Padre Zé da Eira, o de Rio Caldo, que é zamagra, está cônego. Limparam-se da carepa, é o que é. A mulher dele já botou no domingo passado a sua saia e jaqué de pano azul. E que rico pano” (P. 53). Esse trecho bem demonstrativo da forma como ele ataca os desafetos encastelados no governo, alude a D. Miguel I, rei que foi deposto do trono e se tornou uma espécie de fantasma no cenário da época. É visto em toda parte, como clandestino, sob pena de ir para a cadeia e surgem até indivíduos que tentam se passar por ele. Os miguelistas, cheios de esperança, fornecem até dinheiro para a revolução que o colocará outra vez no poder e que vai acabar nas mãos de aproveitadores. Há até uma cena hilariante do falso rei descoberto pela polícia na casa de um padre e que se esconde entre as pipas da adega onde é descoberto e desmascarado.

Em outra passagem ele descreve o exagero das refeições do rei, “uma deglutição formidável.” A criada, muito jovial, observa a refeição do rei. “Esse senhor, – pensa ela – pelo que come, parece que tem passado muitas fominhas! Ninguém há de crer o que Sua Majestade atafulha naquele bambulho! “ De fato, o cardápio impressiona: espeto para trinchar finas camadas, esbrugava uma unha de porco, seguiam-se tripas, lombo de porco no salpicão, vitela, tripas... Após a copiosa refeição, “o rei saía a limpar as régias barbas oleosas.” Mas ainda, vinha o café com fatias torradas de manteiga nacional, tudo regado a vinho branco. Depois el-Rei fumava charutos espanhóis de contrabando, “desabotoava o colete, dava arrotos, repoltreava-se na cadeira de sola e vaporava grandes colunas de fumo que se espiralavam até o teto.” Mas alguém o esperava e el-Rei, em passos pesados, tratava de atender.

Enquanto isso, a brasileira de Prazins bole com a imaginação e incendeia a mente dos portugas.

Camilo Castelo Branco (1825/1890) publicou uma vasta e variada obra, embora mais aclamado como romancista. No ano de sua morte publicou “Nas Trevas”, volume de poesia que é considerado como uma despedida, pois foi então que, muito doente e cego, se suicidou consternando o meio cultural de Portugal, do Brasil e dos países de língua portuguesa. Teve uma vida agitada, repleta de incidentes e tentativas frustradas e chegou a ser preso por adultério (imagine-se!) em virtude da louca paixão por Ana Plácido, mulher casada, com quem acabou vivendo pelo restante da vida. Segundo a crítica, Camilo Castelo Branco ”reconstituiu em suas obras o panorama dos costumes e os caracteres do Portugal de seu tempo.” Essa intimidade com o solo português dificultou sua expansão universal, ainda que muito se dedicasse à leitura dos autores franceses.

No Brasil, Camilo teve um grande entusiasta em Monteiro Lobato, seu leitor e divulgador. Vários críticos enxergam em sua obra, em especial nos contos, vestígios da influência camiliana.

“A Brasileira de Prazins” é uma de suas obras mais lidas e integra a fase naturalista de sua produção.


Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email e.atha@terra.com.br  



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC



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