Enéas Athanázio
DE VAQUEIRO A POETA
ENÉAS ATHANÁZIO ENTREVISTA JOSÉ PEIXOTO JR.
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Nas minhas andanças pelo Cariri Cearense
ouvi muitos comentários a respeito de um certo Peixoto Júnior. Diziam que era
exímio cavaleiro, domador corajoso de animais xucros, vaqueiro sem igual e
verdadeiro mestre no manejo do laço. Nas suas mãos ele parecia pairar no ar,
formava um círculo perfeito e caía exato no pescoço da rês fugitiva. Em
minutos ele a derrubava e o peão acorria com o material necessário para curar
a bicheira ou o ferimento, vacinar ou marcar. Libertado, o animal se afastava
parecendo aliviado. Peixoto Júnior era um astro, objeto de geral admiração.
Indagando a respeito, tanto Dr. Napoleão Tavares Neves, médico e historiador
da cidade de Barbalha, como Daniel Walker, Raimundo Araújo, Aldenor Benevides
e outros confirmaram a veracidade desses comentários. E assim eles ficaram
indeléveis na minha memória.
Passados alguns anos, fui a Brasília para uma
assembleia de escritores e lá avistei um certo Peixoto Júnior entre os
participantes. Seria o mesmo do Cariri? – pensei comigo. Tratei de indagar
aqui e ali e soube que era advogado, alto funcionário do serviço público,
secretário da revista Literatura, editada pelo saudoso Nilto Maciel, e
ex-presidente da Associação Nacional de Escritores (ANE), entidade que
congrega escritores de todo o país. Para completar o retrato, era escritor e,
acima de tudo, renomado poeta. Procurei me acercar dele e obtive a
confirmação: era o mesmo. Dali nasceu a amizade e nos correspondemos ao longo
dos anos e até escrevi sobre ele.
Depois, num repente, nasceu a ideia da
entrevista. Consultado, ele concordou em falar sobre sua vida e seus feitos e
responder às minhas indagações.
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EA –
Onde e quando nasceu e como foi sua infância?
JPJ – Nasci na zona rural
do Município de Granito, Pernambuco, sítio Genipapo. Semana Santa de 1925,
quinta-feira santa, no horário do almoço naquele dia de jejum. Infância de
menino do mato, brincando com chifre e osso de gado, na bagaceira do nosso
engenho de ferro. Montava carneiro encabrestado. Alfabetizado por meu Pai e
aulas na casa da minha madrinha, por uma moça velha que exigia tratamento de
“mia mesta” (minha mestra), saudação na chegada com jaculatória e pedido de
bênção. Sofri e apliquei a palmatória no dia do “Argumento” (recordação do
ensinado). A seguir, Escola Estadual na vila Caririzinho. Preparação para o
exame de admissão ao ginásio em Jardim/CE com estudantes do Colégio São João,
Fortaleza, no seu período de férias, que deu às aulas a denominação de Ateneu
Jardinense. Curso de Admissão e o primeiro ano secundário no Ginásio do Crato
(1938/39). Transferência para o Colégio Castelo Branco, Fortaleza, 1940.
Abandono do estudo no segundo semestre do terceiro ano, 1941. Volta para casa
e reintegração à vida rural.
EA – Como se deu o aprendizado nas lidas
da fazenda e com que idade você se tornou vaqueiro?
JPJ – Não há
aprendizado, nasce-se sabendo. Começa por separar, ao anoitecer, os bezerros
das vacas e na manhã seguinte retorná-los ao curral, um a um, para o apojo.
Soltas as vacas, o menino tange os bezerros para o seu pasto. Abandonado o
colégio, volto às lidas e, com 17 anos, torno-me vaqueiro.
EA – Você
chegou a ser vaqueiro “encourado” e por quanto tempo?
JPJ
– Sim,
cheguei. Conhecido artesão do couro olhou-me e, sem tirar medidas,
confeccionou, com perfeição, perneiras (perneira puxa) e gibão (perneira puxa,
justa ao relevo das pernas e das coxas, usado com chinelas de rosto fechado,
chinelas de vaqueiro). Diferente das perneiras roló, frouxa nas pernas, sapato
meio cano, sapato de vaqueiro, ambos com par de esporas de roseta grande. Fui
vaqueiro por uns dois anos.
EA – Que espécie de couro era utilizado
nesse vestuário? Quem o confeccionava? As costuras eram feitas com linha
grossa, barbante ou tentos de couro?
JPJ – Era utilizado couro curtido
de carneiro, couro de bode (avermelha), costurado com correia e camurça. Havia
especializados em fazer uniforme (“liforme”) de couro.
EA – O rosto, os
braços e as pernas como eram protegidos nas cavalgadas pela caatinga? O
chapéu, como se prendia?
JPJ – Proteção pela roupa de couro.
Prendia-se o chapéu por dois barbicachos, um no queixo e o outro no cangote.
EA – Como descrever a sensação de andar encourado naquele calorão?
JPJ – Não me lembro de ter sentido calor nem escutado algum vaqueiro se
queixar.
EA – Em que animal você montava nas incursões pela caatinga,
cavalo ou burro? Teve algum animal de estimação que entendia seus gestos?
JPJ – Montava o cavalo “Pivô” para o qual o gesto era chicote ou espora.
EA – As pessoas comentavam que você desapareceu de repente do Cariri, que
aconteceu, foi cansaço ou outro motivo? Para onde você foi?
JPJ
– Vendi
os couros e um boi e migrei para São Paulo, Alta Sorocabana, para ser “pinhão
de invernada,” “boia fria”. Fui morar com minha irmã casada lá residente.
EA – Conte-nos como se deu essa mudança radical de vida. Onde estudou, o
que cursou e quando ingressou no serviço público.
JPJ – Voltei do São
Paulo, casei-me, vendi ao irmão o meu direito no sítio Genipapo, comprei loja
de tecidos, troquei por um caminhão Chevrolet 40, cabine de madeira. Escrevi
na cabine “saudade, asa de dor do pensamento”. Permutei o cabine de madeira
por um cabine de aço que, por dívidas do comprador, foi tomado pelo vendedor.
Em Serrita/PE tornei-me Gerente da Cooperativa Agro-Pecuária. Fiz o concurso
de Escrivão de Coletoria Federal (DASP). Aprovado, fui nomeado para
Pernambuco, Coletoria de Sertânia, cidade onde voltei a estudar e concluí o
curso ginasial, aulas noturnas, Colégio Olavo Bilac. Por permuta, cheguei à
coletoria de Petrolina, donde, à noite, cruzando o Rio São Francisco pela
ponte, em Juazeiro da Bahia frequentei a Escola Técnica de Comércio. Pedi
transferência para Amaraji, de lá para Garanhuns, quando, concursado (DASP)
para o cargo de Fiscal do Consumo integrei a primeira turma da Faculdade de
Direito de Caruaru/PE. Não advoguei. A OAB não registrava título de
funcionário público das áreas de arrecadação, tributação fiscalização.
EA – Já escrevia antes ou começou nessa nova fase? E a vis poética, quando
se manifestou?
JPJ – Comecei a escrever e publicar em Garanhuns, na
área tributária. Verso eu fazia desde vaqueiro, verso matuto, cantava
embolada.
EA – Continua poetando? Tem publicado seus poemas? Livros
editados?
JPJ – Sim, sim. Livros editados:
Panorama Tributário Nacional, O Imposto do Selo Federal, Bom Deveras e Seus
Irmãos, Cartas & Poemas, (com Raimundo Alencar Peixoto), Sobre o Mundo,
Padre Peixoto - Intelectual, Político, Sacerdote, Crônica Memorista. Como Fiscal, trabalhei em
Pernambuco, São Paulo e Brasília.
EA – Para encerrar, brinde-nos com um
de seus poemas.
SEPARAÇÃO
Um ano sem você, falta palavra Para
expressar o meu triste sentir; Saudade é pouco, apenas escalavra o forte
sentimento a me afligir.
Não há consolação, na mente lavra Terrível
vazio a me destruir Com força venenosa que azinhavra Minha disposição de
resistir.
Setenta e sete anos de união, Tempo tranquilo sem ter
discussão, Eu a amei e ela me amara.
É consumido o tempo do preceito
“até que a morte...” aí não tem mais jeito, Pois chega “a indesejada” e nos
separa.
EA – Obrigado, amigo Peixoto. Sua vida é uma história sui
generis e vai fazer sucesso.
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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