Enéas Athanázio
NA AUSÊNCIA DE MAIGRET
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Ao colega da Revista Rio Total, DR. PEDRO
FRANCO
O comissário Jules Maigret, investigador da
Polícia Judiciária francesa, protagoniza inúmeros romances e contos de autoria
do escritor belga Georges Simenon (1903/1989). Entre os mais prolíficos
autores de sua época, Simenon nasceu, viveu e faleceu no Século XX. Foi um
homem do século passado e através de sua vasta obra o leitor percebe as
modificações e os progressos que ocorriam no mundo. Nos textos mais antigos,
Maigret viajava de trem e se locomovia em táxis nas suas investigações. A
Chefatura de Polícia parecia dispor de poucos veículos e o gabinete do
comissário era aquecido nos rigorosos dias do inverno parisiense por uma
estufa bastante primitiva. Por outro lado, embora estrangeiro, Simenon
conhecia a capital francesa como a própria mão.
Ele classificava uma parte
de sua obra romanesca como “romans durs”, aqueles que escrevia com total
liberdade, inclusive descrevendo de forma crua cenas chocantes. Assim
acontece, entre outros, com “O Quarto Azul”, um dos mais famosos de sua
autoria. Nele o comissário Maigret está ausente, mas nem por isso os crimes
deixam de ocorrer e são investigados por outros detetives.
Em “O Quarto
Azul”, publicado entre nós pela Companhia das Letras (S. Paulo – 2015), o
autor tece uma história muito curiosa. Depois de longos anos, o personagem
Tony, italiano de nascimento, se encontra com uma mulher que fora sua colega
de escola e que já naquela época se interessava por ele. O rapaz, no entanto,
não nutria qualquer simpatia por ela. Julgava-a alta demais, espigada e
ossuda, sem atrativos aos seus olhos. Ambos estavam casados. Andrèe, a mulher,
era filha da merceeira local e ele se dedicava à venda de máquinas agrícolas.
Nesse encontro ela o cativa e ambos têm um caso. Encontram-se no hotel que
pertence ao irmão de Tony e ocupam o quarto azul, assim chamado. Em um dos
encontros, depois de elogiar a beleza do rapaz, ela pergunta:
– Você me
ama, Tony?
– Acho que sim – responde ele. – Não tem certeza?
– indaga
ela, contrariada.
Mais adiante: – Você se casaria comigo se eu fosse
livre?
– Claro – respondeu por responder, uma vez que aquelas palavras nada
significavam.
Tony jamais imaginou o quanto elas influiriam no seu futuro.
Depois de algum tempo o rapaz decide terminar o relacionamento com ela e
tratou de se afastar. Então a notícia correu na pequena cidade: o marido de
Andrèe havia morrido. Ela estava livre para ficar com ele mas o rapaz deveria
se livrar também. E uma carta anônima chega pelo corre; “Agora é com você!” –
estava escrito.
Tony não deu maior importância e continuou cuidando da
vida. Até que um dia, retornando do interior, soube que sua esposa estava
morta, envenenada. Só então percebeu que a morte fora maquinada por Andrèe ao
vender a ele um pote de geleia envenenada.
Ambos são presos e submetidos a
processo. Respondem a longos e minuciosos interrogatórios nos quais Simenon
ministra verdadeiras aulas de Psicologia Criminal.
Por fim, tanto o
inocente como a culpada, são condenados à pena de morte, comutada pelo júri em
trabalhos forçados perpétuos.
Ocorre, então, o final patético. Ela se volta
para ele, ainda no tribunal, e diz:
- Está vendo, Tony? – Não conseguiram
nos separar.
“O Quarto Azul” é dos mais aplaudidos romances de Simenon,
elogiado pela melhor crítica e inspirou um filme de grande sucesso..
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e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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