Enéas Athanázio
ADÈLE, A DANÇARINA
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O caso complicado acontece
em Liège, cidade banhada pelo rio Meuse, na Bélgica, país natal de Georges
Simenon. Dois rapazolas, um deles nem entrado na maioridade, frequentam a
boate Gai-Moulin onde a bailarina Adêle é o foco das atenções e dos desejos.
Bem conhecidos dos garçons e funcionários, o mais velho é filho de um pai
muito rico e orgulhoso do filho em quem deposita todas as esperanças. O outro,
mais jovem, é funcionário de cartório e pertence a uma família remediada. Nas
suas visitas, a dupla se divertia, bebia, dançava, e tudo corria bem. Certa
noite, porém, os rapazes são tomados de um impulso aventuresco e decidem
assaltar o caixa do estabelecimento. Aí tem início uma história das mais
estranhas.
À noite, fechada a boate, a dupla entra em ação. Tremelicando e
com muito medo, esperam a saída de todos e entram na adega para realizar o
assalto. O ambiente está envolto em compacta escuridão. Um deles risca um
fósforo e verificam, estupefatos, que há um cadáver estendido no chão. Num
relance, reconhecem nele a figura do grego de nome Graphopoulos, também
frequentador do cabaré. Apavorados, fogem pelo beco dos fundos e não se dão
sequer o trabalho de fechar a porta. Tentam a todo custo retomar o trem da
vida e disfarçar o pavor que os invade.
Na manhã seguinte, ansiosos,
procuram nas páginas dos jornais alguma notícia sobre o morto. Nada encontram,
o fato ainda não chegou aos ouvidos dos repórteres. Desconfiada, a mãe do
rapaz mais jovem percebe estranhas mudanças no filho e passa a vigiá-lo,
temerosa de alguma desgraça. A dupla continua se encontrando, tanto no
Gai-Moulin como em outros locais. E então o caso explode nas manchetes dos
jornais e traz um adendo intrigante: o cadáver do grego é encontrado em um baú
de vime no Jardim Botânico da cidade. Os rapazes se interrogam, não conseguem
entender. Em notas da imprensa, um homem corpulento, de ombros largos,
envergando sobretudo preto e fumando cachimbo é visto nas imediações e às
vezes seguindo um ou outro. Estava hospedado no Hotel Moderne mas não havia
preenchido a ficha. Quem seria?
A polícia entra no caso, mas não encontra o
fio da meada. E então o comissário Jules Maigret, investigador da Polícia
Judiciária Francesa, entra em cena. É ele o cidadão de ombros largos que
desperta a atenção. Como e porque um policial francês vai agir na Bélgica é
uma pergunta que fica no ar. Ele está fora de sua jurisdição e no exterior.
Maigret se apresenta aos colegas belgas e juntos avançam nas investigações.
Acabam por descobrir que o greto assassinado era um ativo espião
internacional, o que justificou o ingresso de Maigret no caso. Também
descobrem o autor do crime e a presença de Adèle nos acontecimentos, embora
como vítima. O livro é absorvente e a atuação de Maigret, como sempre,
magistral. Trata-se do romance “A Dançarina do Cabaré”, publicado pela
Companhia das Letras (S. Paulo – 2021). Georges Simenon (1903/1989) foi um
prodigioso escritor. Escreveu mais de 200 livros e 175 contos, além de
numerosos trabalhos esparsos. Jules Maigret, seu principal personagem,
tornou-se um dos mais célebres detetives da ficção universal, ao lado de
Sherlock Holmes e Hercule Poirot. Filmes, documentários, peças teatrais têm se
inspirado em suas histórias. Incontáveis ensaios e matérias jornalísticas
abordam a sua obra. O grande André Gide, luminar das letras francesas,
escreveu: “Georges Simenon é o maior de todos, o romancista mais genuíno que
já existiu.” Nas memórias, porém, Simenon é apontado como fantasioso e
exagerado; No Brasil o escritor belga teve e ainda tem numerosos leitores.
Hemingway foi seu leitor confesso.
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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