Enéas Athanázio
CHARLOT
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Nossa literatura perdeu neste ano um
exímio escritor. No fatídico dia 17 de março falecia em Joinville o escritor,
economista e advogado Carlos Adauto Vieira aos 89 anos de idade. Nascido em
Lages e criado em Florianópolis, ele se declarava um “manezinho da Serra.”
Bacharelado pela Faculdade de Direito de Santa Catarina, fixou-se em
Joinville, onde desenvolveu intensa atividade profissional, granjeando grande
renome. Foi fundador e presidente da OAB daquela cidade, além de conselheiro
estadual e federal. Ativo participante dos eventos da classe, estava sempre
presente nas programações da OAB.
A par das lides forenses, desde muito
cedo se dedicou à literatura, escrevendo para os jornais daqui e de outros
Estados e iniciando a publicação de seus livros. Tornou-se um dos fundadores
da Academia Joinvilense de Letras, uma das mais ativas do Estado, da qual foi
presidente. Participou da entidade até a última fase da vida.
Conheci
Carlos Adauto quando fui residir em Florianópolis para cursar a Faculdade de
Direito. Existia lá, em plena Praça XV, o Bar Príncipe, mais conhecido como
Bar do Filinto. O proprietário tinha fama de zangado e diziam que expulsou à
força alguns clientes malcomportados. Diziam ainda que mantinha um relho de
couro cru no balcão para alguma necessidade. As letras da palavra Príncipe,
pintadas na fachada, semelhavam às de famosa loja do Rio de Janeiro cujo lema
era “A loja que veste hoje o homem de amanhã.” O humor ilhéu logo descobriu a
semelhança e o Bar do Filinto passou a ser, na boca do povo, “O bar que
embebeda hoje o homem de amanhã.” Mas Filinto foi boa pessoa e sempre tratou a
mim e meus amigos de maneira cordial.
Na companhia de meu saudoso amigo
César Ouriques, primo de Carlos Adauto, frequentávamos vez por outra o
Príncipe para fazer um lanche ou tomar um Cuba Libre, bebida muito consumida
na época. Numa dessas ocasiões fui apresentado a Carlos Adauto, também
acadêmico de Direito e apaixonado por literatura. Ali nascia uma amizade que
durou quase 70 anos. Sempre estivemos em contato, ainda que residindo em
cidades diferentes. Quando publiquei meu livro de estreia, ele foi o primeiro
a se manifestar.
Logo após o golpe de 1964 que implantou a ditadura, Carlos
Adauto, democrata que era, assumiu corajosa postura de oposição. Sempre que
tinha oportunidade de falar fustigava as arbitrariedades cometidas pelo
governo autoritário e o mesmo fazia nos seus candentes artigos de jornal. Em
consequência, foi detido mais de uma vez e recolhido à prisão. Chegou a ser
sequestrado e levado para Curitiba, onde permaneceu incomunicável por mais de
um mês sem que ninguém soubesse de seu paradeiro. A cidade ficou em suspense
até que ele reapareceu, magro, debilitado e humilhado. Sob a acusação de
“subversivo e contrário aos interesses da revolução”, fórmula criada para
eliminar os adversários, sofreu severa vigilância em sua vida cotidiana. Se
não bastasse, foi proibido de escrever nos jornais de Joinville e da região,
inclusive em “A Notícia”, do qual foi colunista desde a chegada em Joinville.
Amordaçado, adotou os pseudônimos de Charles D’Olengér e Heliodoro Luiz, com
eles passando a assinar seus artigos, assim driblando a censura. Mas isso foi
descoberto, talvez por meio de algum delator, e ele se viu preso mais uma vez.
Apesar de tantas dificuldades e perseguições, nunca se entregou e manteve a
mesma postura até a redemocratização.
Adauto recebeu muitas homenagens da
cidade que adotou. Como forma de reconhecimento, mereceu homenagem tocante, à
qual estive presente: a inauguração com seu nome de uma ponte sobre o rio
Cachoeira ligando o centro cultural com a área forense da cidade, as duas
regiões em que ele mais circulava. Conhecida como Passarela Charlot, a obra lá
se encontra preservando seu nome. Mais homenagens recebeu ao longo de sua
permanência na Cidade dos Príncipes.
No campo literário Adauto também se
projetou. Além dos incontáveis ensaios, artigos e outros escritos, revelando
sempre amplo conhecimento da literatura nacional e estrangeira, obteve realce
como talentoso cronista. Foi considerado pela crítica um dos expoentes do
gênero no Estado, ombreando com Jair Francisco Hamms, Holdemar Menezes e
Flávio José Cardozo. Publicou os livros “Aos Domingos”, “Saborosas Estórias
Curtas de Charles D’Olengér”, “Europa Sem Programa” e “Contos de Crônicas”,
além de outros. Alguns foram comentados por mim nesta coluna. Participou de
inúmeras antologias e coletâneas. Foi ainda frequente colaborador do célebre
jornal “O Semanário.”
Adauto se formou em Ciências Econômicas, foi
presidente do Conselho Municipal de Cultura e um dos fundadores da União
Brasileira de Escritores (UBE-SC). Incentivou a realização da Feira do Livro e
a restauração de prédios ilustres da cidade, a exemplo da estação ferroviária.
Apoiou e divulgou os escritores locais. Muitas outras homenagens lhe foram
prestadas. Sua inscrição na OAB era a mais antiga na região.
O falecimento
foi muito sentido, tanto no Estado como fora dele. As manifestações de pesar
foram inúmeras.
Charlot” fará muita falta.
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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