Enéas Athanázio
HEMINGWAY E Picasso
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Existem livros que são verdadeiros monumentos editoriais. Dentre eles,
alinha-se “Picasso – Criador e Destruidor”, de autoria da escritora grega
Arianna Stassinopoulos Huffington, traduzido por Hildegard Feist e publicado
entre nós pela Editora Nova Cultural (S. Paulo – 1985). Como indica o título,
trata-se de uma biografia do célebre pintor espanhol Pablo Picasso e uma
minuciosa análise de sua vasta e complexa obra nas áreas da pintura,
escultura, gravura, desenho, literatura e tudo mais, tarefa deveras
desafiadora em face da imensa quantidade de sua produção e das variadas fases
em que se dividiu. A bibliografia consultada pela autora é espantosa, tanto em
livros como em teses, artigos em revistas e jornais como nas incontáveis
pesquisas.in loco e entrevistas que realizou. Entre tantas obras, não
encontrei um só título brasileiro.
Homem difícil e mal-humorado,
Picasso se comprazia em afastar as pessoas que o admiravam, inclusive filhos e
netos de que se desligou por completo, em especial nos últimos anos. Tido como
um gênio, o artista do século, o criador incansável, foi também rude e
mesquinho. Tratava muito mal as pessoas e humilhava as mulheres com quem
viveu, destruindo-as e tornando-as verdadeiros capachos submissos aos seus
caprichos, como diz a autora. E, no entanto, elas voltavam para ele,
bajulando-o e se curvando às suas menores exigências. Atitudes chocantes e
incompreensíveis. Adorado pelo público, suas exposições constituíam
verdadeiros acontecimentos e suas obras alcançavam preços exorbitantes. Tinha
um magnetismo inexplicável em figura tão pouco atraente como ser humano.
Viveu a maior parte da existência em Paris e em outras cidades francesas,
considerando-se um exilado espanhol no período do ditador Franco. Conviveu com
quase todos os expoentes da chamada geração perdida, assim rotulada por
Gertrude Stein, entre os quais o escritor norte-americano Ernest Hemingway.
Aos meus olhos a amizade entre ambos me parece absolutamente impossível, tão
diferentes eram um do outro. Mas o fato é que há referências ao escritor na
biografia, não faltando o registro das maledicências de Picasso a respeito
dele. Em comum entre os dois estavam as touradas de que ambos eram aficionados
e frequentavam com assiduidade.
Registra a autora que Hemingway tentou
visitar Picasso, mas o pintor estava ausente e o visitante lhe deixou um
presente muito estranho: uma caixa de granadas! Pena que ela não forneça
maiores detalhes sobre tão esdrúxulo oferecimento e nem a reação de Picasso.
Em outra ocasião, falando sobre Gertrude Stein, sua amiga e divulgadora, a
língua ferina de Picasso entrou em ação. “ É gorda como uma porca” – afirmou
numa explosão de fúria. Depois, aludindo à opinião dela sobre sai pintura,
completou: “Ouvindo-a o mundo todo pensaria que me criou pedaço por pedaço.
Mas se quiser ver o que ela realmente entende de pintura, basta olhar o lixo
de que gosta hoje em dia. Ela diz a mesma coisa de Hemingway. Na verdade esses
dois foram feitos um para o outro. Nunca o suportei, nunca. Ele nunca entendeu
realmente a tourada, não como um espanhol a entende. Era um charlatão,
Hemingway. Eu sempre soube disso, mas Gertrude nunca soube.” James Lord, que
ouvia, ficou estupefato.
Tendo recebido de Hemingway a peça do uniforme
de um SS que o escritor dizia ter matado, afirmou que ele jamais matou um
homem. Poderia ter eliminado muitos animais selvagens, nunca um homem. E
voltou a afirmar que era um charlatão e por isso Gertrude gostava dele.
São passagens que constam à página 261.
Não creio que Hemingway
tenha tomado conhecimento dessas manifestações. Também não me recordo de
qualquer referência ao pintor na obra do escritor americano. É provável que a
maledicência se deva ao fato de Hemingway não formar entre os adoradores de
Picasso.
Por outro lado, ninguém escreveu tanto e tão bem sobre as
touradas como Hemingway.
Quanto à amizade entre Hemingway e Gertrude,
pela leitura de “Paris é uma festa”, memórias do escritor da fase parisiense,
percebe-se que ela esfriou e parece que acabou, mas ele não a denegriu.
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e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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