Enéas Athanázio
HEMINGWAY E AS LETRAS
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O escritor norte-americano Ernest Hemingway tinha
profunda consciência profissional. Era escrupuloso na sua escrita, buscando
sempre aquilo a que chamava a verdade. Cada palavra tinha que ser pesada para
entrar na frase de maneira exata, tal como o “le mot juste” dos autores
franceses. Gostava de escrever ao sabor dos ventos da inspiração, razão pela
qual não trabalhava sob encomenda.
Repórter da revista “Cosmopolitan”, A.
E. Hotchner foi incumbido de entrevistar Hemingway e obter dele um ensaio
sobre o futuro da literatura. A tarefa era espinhosa porque o jornalista não o
conhecia, o escritor residia na célebre “Finca Vigia”, em Cuba, e não gostava
de escrever a pedido. Mas o editor da revista foi enfático: vire-se! Hotchner
não teve alternativa, encheu-se de coragem, viajou para Havana. Lá chegando,
temeroso de bater à porta do escritor, enviou um bilhete dizendo que tinha
necessidade de cumprir a missão sob pena de perder o emprego. Hemingway então
lhe telefonou marcando um encontro no bar “Florida”, um de seus pontos
prediletos, e lá, enfim, se conheceram. Tornaram-se desde então amigos íntimos
e o jornalista conviveu com o escritor nos últimos 14 anos de sua vida.
Viajaram juntos, caçaram, foram a touradas e estavam sempre em contato.
Hotchner se tornaria no futuro um dos maiores biógrafos de Hemingway, tendo
publicado o célebre livro “Papa Hemingway”, publicado no Brasil e que comentei
nesta coluna. Mas o ensaio sobre o futuro da literatura nunca foi escrito.
Na convivência com o escritor, Hotchner foi tomando notas sobre o que ele
dizia. Em pedaços de papel, guardanapos, margens de jornais, lenços, cardápios
e outros lugares disponíveis na ocasião foi registrando o que ele falava.
Quando se deu conta estava na posse de um material extraordinário, colhido no
cotidiano e ao vivo. Organizando a matéria, decidiu colocar tudo num livro e
assim surgiu “A boa vida segundo Hemingway”, publicado entre nós pela Editora
Larousse do Brasil (S. Paulo – 2008). O volume também é riquíssimo em material
iconográfico.
Colhidas no correr da leitura, transcrevo aqui algumas falas
do escritor. “O homem não foi feito para a derrota. O homem pode ser
destruído, mas não derrotado.” – “Quando um homem tem a habilidade de escrever
e o desejo de escrever, não há crítico que possa causar danos a seu trabalho
se este for bom, ou salvá-lo se for ruim.” – “O problema de um escritor jamais
muda. Trata-se sempre de escrever de forma verdadeira e, tendo descoberto o
que é verdadeiro, projetar isso de maneira que sua escrita se torne parte da
experiência do leitor.” – “Durante toda minha vida. Olhei para aas palavras
como se as estivesse vendo pela primeira vez.” – “O escritor deve ter uma
devoção a seu trabalho semelhante àquela que o sacerdote tem pelo dele.” –
“Jamais pense que a guerra, não importa quão necessária ou justificável seja,
não é um crime.” – “Gosto de ir ao zoológico. Mas não aos domingos. Não gosto
de ver as pessoas zombando dos animais, quando o contrário é que deveria
acontecer.” – “Por que morar em Nova York ou em Londres, quando há cidades
como Veneza e Paris?.” – (Sobre William Faulkner) “Será que ele realmente
pensa que as grandes emoções provêm de grandes palavras? Ele pensa que eu não
conheço as palavras que valem dez dólares. Eu as conheço bem. Mas existem
palavras mais velhas, mais simples e melhores, e estas são as que eu uso.” –
“A coragem é uma questão de consciência de uma pessoa, e não tem qualquer
compromisso com a avaliação dos outros.” – “Os bons momentos deveriam ser
orquestrados, jamais deixados às incertezas do acaso.” – “É patético quando os
famosos viram mal-afamados.” - “Manet conseguia mostrar o desabrochar das
pessoas quando elas são ainda inocentes e antes de terem sofrido alguma
desilusão.” – “Quando alguém estiver falando, ouça com atenção total. A
maioria das pessoas nunca ouve.” – “Se eu viver até ficar velho, o que quero
ser é um homem velho e sábio que não chateie as pessoas.” – “O mundo é um
lugar agradável e pelo qual vale a pena lutar, e eu odeio ter de deixá-lo.” –
“A vida de todos os homens termina da mesma maneira, são apenas os detalhes
sobre como eles viveram e como morreram que distinguem um homem do outro.”
Como se vê, é uma coleção de citações únicas e raras de um homem que viveu com
intensidade a vida do escritor e enfrentou todos os desafios da arte
literária, tornando-se um dos mais importantes autores do Século XX, ao lado
de Joyce e Proust.
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e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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