Enéas Athanázio
SOBRE O PIAUÍ
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Como sabem meus poucos leitores, sou
Cidadão Piauiense Honorário por generosidade dos integrantes da Assembleia
Legislativa daquele Estado (ALESPI). Desde muito antes já mantinha
intercâmbio com o Piauí, lá estive por diversas vezes, muito li e escrevi
sobre uma unidade da Federação pouco conhecida mas muito curiosa. Foi o
único Estado brasileiro colonizado do sul para o norte, ou do interior para
o litoral, tanto que sua primeira capital, - Oeiras, - a Cidade Branca, está
situada no sul do Estado. O Piauí se estende em parte pelo agreste e em
parte pelo sertão, margeando o rio Parnaíba que o separa do Maranhão. Os
dois Estados compõem o chamado Meio-Norte, área de transição entre o
Nordeste e a Amazônia. Nunca esquecer que sertão, para nós sulistas, é o
ínvio, a floresta, o matagal, enquanto lá é o semi-árido, quase deserto.
Teresina, uma das poucas cidades pré-traçadas, como Belo Horizonte, Goiânia
e Brasília, é a única capital nordestina que não fica no litoral. Essas
circunstâncias ímpares deram ao Piauí uma história muito individual e
própria, originando uma cultura sui generis. Numa noite destas, saltando
de canal em canal na televisão, deparei com longo documentário sobre o Alto
Sertão piauiense. Os repórteres e a equipe visitavam vários municípios
daquela região, registrando o cotidiano de suas vidas durante o dia e a
noite. Contando sempre com a simpatia e a boa vontade dos moradores,
procuraram fixar um retrato verdadeiro. A realidade é entristecedora.
As
cidades têm poucos habitantes. Os quarteirões imensos são ocupados em geral
por uma ou duas casas de construção precária e sem qualquer segurança ou
conforto. Não possuem cercados, jardins, hortas ou pomares, mesmo porque não
vingariam naquela secura de terra rachada. As ruas não contam com
calçamento, meio-fio ou iluminação pública. A noite é de uma escuridão
total. As poucas árvores existentes são baixas, raquíticas, esgalhadas e com
poucas folhas. A terra não forneceu os nutrientes necessários ao seu pleno
desenvolvimento ou, talvez, tenha faltado chuva na época devida. A impressão
que fica é de que cada família vive num sítio isolado, ainda que esteja no
centro urbano.
As noites são tétricas. Sem energia elétrica, não há
iluminação, rádio, televisão, telefone ou geladeira. Alguns moradores
tiveram a ideia de instalar placas para a captação da abundante energia
solar. Como são poucas, não alimentam vários aparelhos ao mesmo tempo; é
preciso optar por um deles. Água, como é de imaginar, é produto raro e
custoso. Vem das lagoas nas pesadas latas nas cabeças ou em baldes, um em
cada mão. Os caminhões-pipas abastecem as cisternas de tempos em tempos.
Nessas condições, a higiene só poderia ser precária.
A carne de bode e a
macaxeira são as bases da alimentação. Outros alimentos são consumidos de
forma esporádica.
Às perguntas dos repórteres responderam que jamais
consultavam médicos e muito menos dentistas. Os sorrisos revelavam sempre a
falta de dentes. E muitos.
Um garoto de oito anos, deitado numa rede,
afirmou que não conhecia iluminação, energia elétrica, e outro, com cerca de
cinco anos, indagou como é a chuva. Não conhecia.
Para ir à escola as
crianças caminham muitos quilômetros com o caderninho sob o braço. Retornam
exaustas, mas, mesmo assim, têm que ajudar no trabalho.
Todos são
brasileiros, amam o país que deles esqueceu e os abandonou. Não deixam a sua
terra, ainda que sofrendo.
Essa triste realidade um dia mudará? É
possível acreditar?
Aqueles “conterrâneos” precisam de ajuda, de socorro
urgente. O Estado, sozinho, não tem capacidade econômica para resolver o
gravíssimo problema.
É imperioso que o governo federal deixe de lado a
politicagem e abra os olhos para a realidade nacional.
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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