Enéas Athanázio
GUERREIRO DO POVO |
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Ao terminar a leitura dos originais de “Lobato
Letrador”, de Zoler Zoler, tive que respirar fundo. Leitor de Monteiro
Lobato de longa data, devo reconhecer que jamais encontrei tão volumosa
massa de informações e análises a respeito dele e sua obra como nestas
compactas páginas (mais de 700).
Misto de biografia e ensaio, sem
ser uma coisa ou outra, o livro é um enfoque sui generis de Lobato, sua obra
e sua ação. Todas as fases de sua existência são evocadas, sempre lastreadas
nos próprios textos da obra ou em sólidas fontes de informação, revelando
preocupação com as datas e lugares para bem contextualizar os
acontecimentos. Mostra o empenho do escritor na busca de uma expressão
própria, individual e única, um estilo pessoal e inigualável. Revela a
dedicação com que realizou a chamada obra adulta, procurando a linguagem que
falasse ao leitor e o prendesse na leitura. E, mais tarde, ao perceber a
penetração de sua literatura infantil, optar por ela, lamentando não ter
escrito mais para as crianças.
O livro não se contenta em examinar a
obra literária e o pensamento de Monteiro Lobato, o que já não seria pouco.
Vai além. Comenta toda sua incansável atividade nos mais variados campos de
ação. Evoca o Lobato escritor, fazendeiro-empreendedor, Promotor Público e
advogado, jornalista, criador da literatura infantil brasileira, editor e
fundador da indústria livreira, combatente pelo ferro e pelo petróleo,
propagandista, tradutor, incentivador atuante de memoráveis campanhas em
favor das florestas, do saneamento, das estradas, da difusão do livro e
outras tantas. Enfim, um homem público sem cargos – como afirmou Edgard
Cavalheiro.
As antecipações e premonições de Lobato, apontadas no
correr do livro, são impressionantes. Sem conhecer Pedagogia, ele se
adiantou a seus métodos mais modernos, tais como os pregava a Escola Nova,
de Anísio Teixeira; sem conhecer Semiótica, intuiu suas lições, inclusive
nos aspectos mais avançados, como o do sabor, ao imaginar o livro
comestível, o livro-pão, que seria devorado após a leitura e poderia entrar
tanto na casa do sábio como na do analfabeto. Para completar, foi precursor
do Letramento, muito tempo antes do surgimento da própria palavra com tal
sentido por volta de 1980. A centelha do gênio permitiu que seu olhar
invadisse o futuro.
Acima de tudo, porém, a autora mostra que Lobato
foi um educador, um professor, um letrador, e que sua preocupação permanente
foi a de educar o seu povo. Em certa fase, depois de visitar uma escola,
chegou a pensar que sua verdadeira vocação seria a de professor. Em suas
iniciativas editoriais, muitas delas arriscadas para a época, avultava
sempre o desejo de educar. Inundar o país de livros, interessar as pessoas
pela leitura, empurrar o livro goela abaixo, como as mães faziam ao dar óleo
de rícino às suas crianças. Porque – dizia ele – o livro faz homens e um
país se faz com homens e livros. Para isso, mesmo escandalizando os mais
conservadores, anunciava seus livros através dos jornais e usava táticas de
“merchandising” então inusitadas, obtendo resultados impressionantes. Tratou
de colocar seus livros diante dos olhos do leitor, em toda parte, fosse nas
livrarias e nos açougues, nas vendas e nos verdureiros.
Como
letrador, criou o método pessoal de ensinar brincando, de aprender sem
esforço, de transmitir provocando a imaginação e a fantasia e de estudar sem
sentir, e assim induzindo a criança à leitura. Graças a isso, sua literatura
para crianças ganhou o país e o mundo. Condenava o horror dos livros
escolares secos e áridos em que os alunos se viam obrigados a decorar nomes
e datas que pouco diziam e pregava uma renovação que deixasse de lado o
ultrapassado método da “decoreba” para o qual saber “era ter na ponta da
língua.” Em conclusão, Lobato revolucionou o ensino sem entrar em sala de
aula, como professor, salvo nas conferências em prol de suas campanhas, e
que realizava com grande timidez. Como se não bastasse, inspirou nas
crianças o espírito democrático através do ambiente libertário do Sítio do
Picapau Amarelo, presidido por uma mulher sábia e iluminada, num exemplo
inédito de valorização da mulher.
Para compor esse livro monumental,
a autora examinou tudo que existe sobre Lobato em livros, teses, ensaios,
revistas, jornais e na Internet. A bibliografia estudada é impressionante e
creio que nada escapou. Mesmo trabalhos publicados em periódicos de pouco
alcance ou por editoras regionais foram examinados e todos os autores
identificados em breves currículos.
A leitura do livro vale como
informação e recapitulação. Nele Lobato aparece por inteiro. Trata-se,
enfim, de um livro para morar, como ele desejava que fossem os verdadeiros
livros. Com ele, a autora traz uma contribuição sem precedentes aos estudos
lobatianos.
Em quatro alentados volumes, publicados por Tagore
Editora/Tupy Publishing, de Brasília, o livro foi lançado nos primeiros dias
de 2019, ano em que a obra de Lobato caiu em domínio público.
(Prefácio ao livro “Lobato Letrador”, de Zoler Zoler, em quatro volumes,
aqui publicado em homenagem à Autora, falecida no dia 20 de setembro, em
Brasília. Arquiteta, professora universitária, artista plástica e escritora,
foi profunda conhecedora da vida e da obra de Monteiro Lobato. Ainda moça,
seu desaparecimento precoce consternou o meio literário).
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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