Enéas Athanázio
CACHORRO DE CORDA E ALARMES FANHOS |
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Sempre que penso conhecer os sons aqui do canto onde
resido sou surpreendido pelas novidades. Estou mesmo propenso, depois de
tanto tempo, a acreditar que vivo numa cidade inesgotável nessa matéria de
sons. Parece que o mesmo ocorre com os cheiros, mas essa é outra história.
Voltando aos sons, quando eu estava familiarizado com as vozes dos
cachorros vizinhos, eis que uma nova e estranha se intromete entre elas,
quebrando a rotina já estabelecida pelos meus maltratados ouvidos. No início
não lhe dei maior importância, supondo que fosse algum visitante canino,
desses que as madames veranistas trazem consigo e logo levam embora. Puro
engano! A persistência com que ele late, de dia e de noite, indica que veio
para ficar, integrando-se para sempre ao coro já existente. Azar meu!
Ora, dirá o leitor, se já eram tantos, um só a mais não faz diferença.
Mas aí é que está: o recém-chegado tem características personalíssimas,
muito marcantes, e que destacam sua voz de forma a irritar o mais apático
dos moradores.
Em primeiro lugar, ele é rouco, tem aquela rouquidão
profunda e que vem das entranhas, lembrando ferrugem. Depois de cada uma de
suas sessões de latidos fico imaginando se não terá deixado um montículo de
limalhas no chão. Creio, porém, que não chega a tanto, caso contrário não
teria mais garganta.
Mas não é só. O novo vizinho faz suas
intervenções sonoras de forma intermitente e com poucos latidos de cada vez.
Ele solta uns oito ou dez “au! au!” roucos e graves, bem compassados, faz um
bom hiato antes de repetir a série e assim sucessivamente, seja com sol
ardente ou lua cheia. Como observou minha mulher, lembra aqueles brinquedos
de corda que funcionam com interrupções. Meu novo vizinho é um cachorro de
corda.
Como se isso não bastasse, apareceu por aqui um carro já
entrado em anos cujo alarme é especialista em disparar e disparar. Quando o
misterioso petrecho dispara, fica por horas a fio clamando pelo socorro que
não chega. Ninguém lhe dá a menor atenção, nem mesmo o dono, e se a buzina
se cansa, começa a falhar e se torna fanhosa. Até que, afinal, depois de
muito tempo, alguma alma caridosa desliga o exasperante dispositivo, cuja
utilidade única deve ser a de rechear os bolsos dos fabricantes e, quem
sabe, de seus amigos bem colocados.
Enquanto isso nós, os vizinhos,
torcemos em silêncio para que se esgotem a corda do cachorro e a bateria do
calhambeque. Mas ambas parecem inesgotáveis!
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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