Enéas Athanázio
NOTÍCIAS SOBRE UM LIVRO |
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Acabo de retornar de uma viagem pela obra literária de Miguel
Jorge. Escritor goiano de nome consagrado, é romancista e contista de
mérito, tendo merecido louvações de Carlos Nejar, Ronaldo Caggiano e outros
expoentes de nossas letras. Nejar, o celebrado poeta, membro da Academia
Brasileira de Letras, escreveu que o goiano é o romancista dos subterrâneos
do instinto e das escurezas do crime e castigo, avizinhando-se da literatura
latino-americana quanto a certo clima mágico e surreal.
Autor de
romances e contos, reuniu no volume “A Fuga da Personagem” (UFG – Goiânia –
2016) um punhado de histórias curtas. Destaco dentre eles o conto-título por
várias razões, a começar pela curiosidade que o próprio título desperta. É
um conto criativo e instigante. O nome da personagem é Maria Paula e, como
toda personagem ficcional, foi criada pelo autor. Ele lhe deu nome, face,
corpo, personalidade. Mas um dia constatou, perplexo, que a personagem havia
fugido das páginas do livro e se revoltado contra o autor. Desejava ser mais
que simples figurante em um texto literário e queria se libertar, ficar
livre, leve e solta para viver a vida, inclusive bebendo cachaça com os
amigos no boteco da esquina. Foram vãos os esforços do autor para fazê-la
voltar ao livro e ficar lá. Ela mudou o nome para Mirian e tratou de viver a
nova experiência, provocando inclusive a paixão de um rapaz que não percebeu
que ela não existia. O desenrolar da história é repleto de surpresas.
Como fecho da história o autor faz um desabafo: “Meus personagens surgem
da luz, não das sombras que escondem as noites. Dou-lhes forma,
personalidade, vida. Frutos de mim mesmo. Da repartição de vários nomes,
vários lugares, novas máscaras. Mesmo que em sonhos, me faço neles, me
guardo neles, talvez, como se fosse eles. Para isso, se espera um mundo de
horas, a eternidade passada em segundos. Os gestos humildes, obscenos,
brutais, são jogos duros da terra que criei com seus tortuosos caminhos.”
Personagem ficcional nunca é uma pessoa. É antes o amálgama de duas,
várias, múltiplas. Caso contrário seria um retrato em palavras, quase sempre
incompleto. Todo personagem, por outro lado, contém muito do seu criador, o
que me leva a indagar se Miguel Jorge alimenta, no íntimo, algum desejo de
fuga. Por fim diria, como penso, que a vida do escritor é um eterno esperar.
Espera a formação do romance, do conto ou da crônica na cabeça, processo
lento para muitos; espera as longas técnicas da publicação e, por fim,
espera as manifestações que muitas vezes costumam ser longas.
Resta
saber se é preferível ser um mortal logo esquecido ou uma personagem
eternizada pelos leitores como tantas da literatura universal. Creio, porém,
que essa questão não entrou nas cogitações de Maria Paula ou Mirian. A obra
de Miguel Jorge é ampla e variada. Estende-se pelo romance, o conto, a
poesia e o teatro. É autor de roteiros cinematográficos e libretos e recebeu
múltiplos prêmios. Tem obras traduzidas para outros idiomas. Destaco “Minha
querida Beirute”, romance monumental que mereceu amplo acolhimento, e “Em
busca do coração no sábado à noite”, obra surpreendente pela criatividade e
pelos engenhosos recursos estilísticos..
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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