Enéas Athanázio
HISTÓRIA AMARGA |
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Dizer que muitas páginas
da história humana são amargas é um surrado lugar-comum, mas é verdade.
Dentre esses momentos que tanto afetariam o mundo e provocariam a morte de
milhões de pessoas, está a fase histórica em que Hitler anexou a Áustria,
seu país natal, à Alemanha, desejo que cultivava de longa data. Depois de
prolongadas e exaustivas pesquisas, o jornalista francês Éric Vuillard
publicou o livro “A Ordem do Dia”, que vem fazendo grande sucesso em muitos
países e foi publicado no Brasil por TusQuets Editores (S. Paulo – 2020).
É impressionante a forma com que Hitler iludia os ingleses
prometendo paz e concórdia enquanto preparava o maior exército do mundo.
Conseguiu até mesmo a anuência para remilitarizar áreas proibidas de seu
país conforme fora decidido na rendição no final da I Guerra Mundial.
Volta-se depois para a anexação da Áustria, o Anschlus, que daria início à
Grande Alemanha, seu maior sonho. Convida o chanceler austríaco, contrário à
ideia, para uma visita. No início o homem é tratado com respeito, conforme
os protocolos, mas ao sentir a relutância dele em assinar um tratado
absurdo, passou às ofensas e insultos. O convidado saiu de lá humilhado,
embora ainda tivesse a coragem de afirmar que sua assinatura nada valia sem
a do presidente. Nos seus gestos caricatos, Hitler espumou de ódio
Não tardaram novas ofensivas. Para intimidar os austríacos, o exército
alemão deu início a manobras na fronteira. Não satisfeito, Hitler subiu o
tom e começou a exigir a nomeação de notórios nazis para os cargos mais
relevantes. Presidente e chanceler resistem, ainda que cavando as próprias
sepulturas. Diante de uma sociedade dividida, convocam um plebiscito para
solucionar a questão. Hitler ferveu, gritou, subiu pelas paredes e fez um
ultimatum ao qual os austríacos não puderam resistir. O governo caiu,
substituído por fantoches, e a anexação foi consumada. Para celebrar, Hitler
desfilou pelas ruas de Viena, aclamado pelos nazistas locais, e respaldado
pelo seu sinistro exército. No avanço do exército alemão pelo território
austríaco, inesperado incidente empanou o brilho: inúmeros carros blindados
enguiçaram, formando monumental engarrafamento à margem da estrada. O maior
exército do mundo continha uma face precária. Em seguida chegou a vez da
Polônia e da Tchecoslováquia.
Isso tudo, no entanto, começou muito
antes. Foi quando a ordem do dia para induzir (ou obrigar?) os grandes
capitães da indústria alemã a contribuírem com generosas quantias para as
caixas do Partido Nazista entrou em vigor. Os vinte e quatro maiores
big-shots da indústria nacional compareceram a palácio, “convidados” pelo
Fuhrer para uma amável conversa. Lá estiveram vinte e quatro sobretudos
grossos e pesados, de cor marrom, preta ou cor de conhaque – como diz o
autor. As finanças partidárias se locupletaram de dinheiro, as armas se
sofisticaram e aumentaram e a II Guerra Mundial ensanguentou o mundo.
Mas, ao contrário do que se possa pensar, os vinte e quatro sobretudos
obtiveram gordas compensações. Usaram e abusaram do trabalho escravo dos
judeus encarcerados nos campos de concentração e extermínio. Jamais
manifestaram qualquer remorso ou arrependimento. Diz o autor que um deles
tinha sérios pesadelos, vendo as faces carcomidas dos que morreram de fome
manobrando suas máquinas. Todos eles ou seus sucessores continuam aí, ricos
e poderosos, sem qualquer problema de consciência.
Afirma o autor que
nunca se cai no mesmo precipício. Para que isso não aconteça é necessário
cuidado. Ler este livro é uma das formas, ainda mais quando o neonazismo
cresce de maneira alarmante no mundo e no Brasil.
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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