Enéas Athanázio
UBALDO |
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Nascido em Lages, em 1940, Edson Nelson Ubaldo bacharelou-se pela Faculdade
de Direito de Santa Catarina (UFSC). No período acadêmico, a par de um curso
brilhante, já escrevia para os jornais de Florianópolis e participava da
vida cultural da cidade. Fixou-se depois em Campos Novos, onde exerceu
intensa atividade profissional, dedicou-se ao cultivo de uvas nobres, teve
alguma atividade política e muito escreveu para os jornais e o rádio.
No período camponovense atuamos juntos em muitos casos, ora na mesma
tribuna, ora como adversários. Criamos um programa radiofônico que se
intitulava “Noite de Gala”, em que ele contribuía com a música e eu com a
parte literária. Ubaldo foi excelente musicista e dominava muito bem o
acordeom, o piano e o órgão. Mais tarde criamos o jornal “Notícias &
Letras”, tablóide dedicado à literatura e que contou com colaboradores
locais e de outras cidades. A publicação se esmerava na apresentação, na
qualidade da impressão e do papel e fez bastante sucesso. Mereceu até uma
tese de um aluno de jornalismo da FURB.
Jurista e escritor brilhante,
Ubaldo produziu muitos livros, tanto na área jurídica como na literária.
Contista de grandes recursos, publicou vários livros do gênero, estreando
com “Bandeira do Divino” e seguindo-se “Rédea Trançada”, “Voo da Coruja” e
“Tragicomédias d’alcova”, além de “Vinho, um presente dos deuses”, poesias e
numerosos trabalhos variados estampados na imprensa. Desde o livro de
estreia conquistou lugar definitivo nas letras catarinenses e integrou a
corrente do chamado Regionalismo dos Campos Gerais, nas trilhas de Tito
Carvalho, Guido Wilmar Sassi, Márcio Camargo Costa, Fernando Tokarski, Mario
Tessari e eu próprio.
No campo jurídico, publicou obras de
envergadura e que exigiram muita pesquisa e estudo em áreas de grande
complexidade: “Recuperação de Empresas”, “Insolvência Civil” e “Modificações
no Processo de Execução.” Todas foram bem aceitas no meio forense pelas
luzes que acendiam sobre uma legislação nova e pouco conhecida. Publicou
também artigos e ensaios jurídicos.
Através do chamado Quinto
Constitucional, Ubaldo foi nomeado desembargador do Tribunal de Justiça na
vaga dos advogados. Dono de vasta cultura jurídica e de longa vivência
profissional, logo se destacou entre seus pares e exerceu a judicatura com
grande competência. Foi presidente da Câmara Recursal que o Tribunal de
Justiça instalou em Chapecó.
Vítima de terrível moléstia, Ubaldo
faleceu no dia 13 de fevereiro, em Florianópolis. Deixou um vazio muito
grande entre amigos e colegas e eu, em particular, lamento a partida de um
bom amigo cuja presença na capital era sempre a certeza de encontrar alguém
que foi tão presente no meu passado. Deixou um legado de cultura, capacidade
e trabalho.
Para encerrar estas linhas, transcrevo aqui uma crônica
memorialista por ele escrita com o talento de sempre.
SAUDADES DO “DOC”
Cheguei a Campos Novos no final de 1964, um ano
antes da formatura, com minha carteira de solicitador (hoje estagiário),
para assumir a banca do Dr. José Matusalém Comelli, que se transferia para a
Capital, bem como para ser advogado do velho PSD. Pobre como rato de igreja,
tendo apenas meia dúzia de livros, algumas roupas e uma velha máquina
Remington, fui morar na pensão da D. Maria, onde se hospedavam médicos,
veterinários e agrônomos, o Dr. Raul Bayer Laus (o saudoso juiz Lilico) e o
Promotor de Justiça, Dr. Mario Edgar Wolff.
A Comarca contava com
três escritórios de advocacia, bem-sucedidos e comandados por profissionais
famosos. O decano era o Dr. João Rupp Sobrinho, mais conhecido como Dr.
Janguinho, ainda hoje em atividade, com mais de 80 anos. A seguir vinha o
Dr. Cid Pedroso, com sua irmã, Dra. Terezinha, depois Deputado Estadual,
Secretário de Justiça e Desembargador, em cujo posto faleceu. O mais jovem
dos três era o Dr. José Enéas Cezar Athanázio, que tinha residência e banca
em frente ao hospital que leva o nome de seu pai (Hospital Dr. José
Athanázio). Tinha uma cliente alemã, Dona Johanna Gordienko, a qual, com seu
forte sotaque germânico, chamava-o de “Dôktorr Enêas”. Daí para o Dr. Cid
apelidá-lo de “Doc” foi um passo. E como tal passou a ser conhecido e
chamado em nossas rodas mais íntimas.
A política partidária era
ferrenha e todos os advogados locais participavam ativamente. Dr. Jango fora
Vereador pela UDN e continuava firme em seu partido, embora já sem maior
militância. Dr. Cid era Vereador pelo PTB e o Doc pela UDN, da qual era
advogado. Eu assumi a defesa dos interesses pessedistas e pouco depois
também fui Vereador. Todos nós chegamos a disputar, em ocasiões diversas, a
Prefeitura Municipal, mas nunca conseguimos ganhar: os “coronéis” ainda
mandavam!
As campanhas políticas sempre causavam rusgas e
afastamentos temporários, mas em seguida todos voltávamos às boas, como
colegas e amigos. Desde logo me identifiquei especialmente com o Doc, pois
tínhamos as mesmas propensões e os mesmos sonhos literários. Juntos fundamos
o jornal “Notícias & Letras”, que terminou no número 4. Agora recebo o
primeiro número do “Jornal do Enéas”, com um bilhete do Doc: “Este deverá
lembrar alguma coisa.” Sim, lembra. E como lembra! Parece-me a retomada
daquele nosso antigo sonho, após mais de trinta anos, o que muito me
sensibiliza.
Mas volto aos anos sessenta. A Comarca estava cheia de
processos de Júri, dos mais cabeludos, sem defensor. O juiz Lilico convocou
ao Doc e a mim para fazê-los de graça, tendo contra nós a opinião pública.
Aliás, com certa dose de razão, pois Campos Novos vivia o auge de sua fase
de banditismo e os réus eram realmente de má catadura. Topamos e fomos bem
sucedidos. Alguns absolvidos, outros com penas diminutas. A fama correu e a
“dupra dos loiro”, como ficamos conhecidos, viveu momentos de glória e
sucesso. Pouco tempo depois, contudo, o Doc perdeu a paciência com a
advocacia e foi ser Promotor de Justiça – no que, diga-se de passagem, obrou
bem. Embora trabalhando duro em seu ofício, conseguiu achar tempo para a
literatura. Veio “O Peão Negro” e depois dele dezenas de livros que o
consagraram em nível nacional.
Aposentado, dedica sua vida e seu
tempo à família e às letras, com o mesmo sucesso que todos conhecem. Ao lado
de Jandira, a fiel companheira de décadas, criou os filhos e curte os netos.
Opiniático e mordaz como tantos de seus personagens, mas amigo leal e
sincero como sói ser o homem dos Campos Gerais de Cima da Serra, o Doc foi
muito além dos primeiros sonhos. Sua obra literária é das mais ricas e
expressivas. Além dos bem-traçados livros de contos, onde retrata com
maestria as gentes e as coisas do Planalto, o Doc adentrou o difícil campo
dos ensaios e da análise biográfica de grandes nomes de nossa literatura,
como Monteiro Lobato e Godofredo Rangel. Articulista e cronista de pena
fácil, a versatilidade do Doc se manifesta nos mais variados temas.
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e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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