Enéas Athanázio
UM RELATO ASSOMBROSO |
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Muitos são os livros a respeito da II Guerra
Mundial e o Holocausto surgidos nestes últimos tempos, fato positivo porque
esses acontecimentos precisam ser lembrados para que nunca mais voltem a
acontecer. Entre tais livros está “A mulher do oficial nazista”, de Edith
Hahn Beer (1914/2009), publicado entre nós pela Harper Collins (Rio de
Janeiro – 2017). A autora contou com a colaboração de Susan Dworkin,
escritora e documentarista americana.
O livro contém o relato
assombroso do que aconteceu com a autora, sua família e seus amigos durante
os anos de guerra. São fatos chocantes, superando a mais fértil imaginação.
Como dizia Érico Veríssimo, a mestra vida sempre supera a mais descabelada
das ficções. No caso, a ficção do horror, da barbárie, da criação voltada
para a brutalidade inimaginável.
Nascida em Viena, em família judia
da classe média, a autora vivia de maneira modesta mas tranquila, como
cidadã do país. Frequentou a universidade, bacharelando-se em Direito,
sempre se destacando como estudante. Mas o poder de Hitler crescia de forma
avassaladora e não tardou a acontecer a anexação da Áustria à Alemanha, a
Anschluz, aprovada por 90% da população. Não tardaram, a partir de então, as
restrições e perseguições contra os judeus. A primeira consequência para a
autora foi impedi-la de fazer as provas do doutorado. E as restrições foram
num crescendo assustador. Muitos judeus emigraram, enquanto outros não
tiveram essa sorte, como foi o caso da autora e sua família. Sua mãe foi
enviada para um campo de concentração na Polônia, onde pereceu.
De
restrição em restrição, os judeus foram perdendo tudo que tinham e o mesmo
aconteceu com ela. Sem teto, sem alimentos, sem vestimentos e sem qualquer
recurso, viveu dias de terrível angústia, fome, frio e medo. Acabou escrava
em uma fazenda onde colhia aspargos durante doze ou mais horas por dia e,
mais tarde, em uma fábrica de caixas de papelão em que se via obrigada a
alcançar uma cota diária tão alta que lhe feria os dedos, deixando-os em
carne viva. Trabalhou por um período na Cruz Vermelha, sempre sob grande
tensão, temerosa das frequentes deportações. Passou a usar documentos de
identidade de outra pessoa. Quando tudo parecia perdido, conheceu um
funcionário da empresa estatal que fabricava aviões. Ele se apaixona por ela
e, mesmo sendo nazista fanático, aceita a sua condição de judia e com ela se
casa. Passam um período de relativa paz, até que a guerra começa a virar e a
derrota alemã se torna inevitável.
Ainda que cego de um olho, ele é
convocado para o campo de batalha, como oficial. Preso pelos russos, é
enviado para a Sibéria como prisioneiro de guerra, lá permanecendo por longo
tempo. Enquanto isso, a autora tem uma filha e começa a trabalhar para os
soviéticos na Alemanha Oriental, como juíza de família e depois como
promotora. Luta com todas as forças e, por fim, consegue a libertação do
marido, mas este retorna mudado, exigente e violento, pondo um fim ao
casamento pelo divórcio. Os soviéticos tentam recrutar a autora como espiã
para a Stasi, polícia secreta, mas ela resiste e começa a arquitetar uma
fuga para a Inglaterra. Com cautela e sangue frio, consegue se evadir com a
filha. Permanece por algum tempo em Londres e depois se transfere para
Israel. Dezoito anos mais tarde, retorna à capital britânica, onde falece. A
filha, Ângela, é uma perfeita londrina.
O marido, depois de voltar
para a ex-esposa, casa-se várias vezes. Nunca aceitou a filha, uma vez que
sempre desejou o filho que nunca teve.
Quanto à autora, viveu uma
situação inusitada e cheia de dificuldades. Para sobreviver, casou-se com um
ariano, mesmo contrariando os princípios judaicos, o que provocava imenso
desconforto e toda sorte de problemas. Por outro lado, foi sempre
hostilizada pelos próprios judeus “por dormir com um gói.” Por mais que se
esforçasse, nunca pôde viver na plenitude, cercada pelas sombras de uma
existência marcada pelo medo e pelo sofrimento. Sua vida é um relato
terrível do que pode acontecer em tempos de ódio e intolerância.
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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