Enéas Athanázio
FAHRENHEIT 451 |
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“Fahrenheit 451” é um dos
romances mais célebres da moderna literatura universal. Foi publicado em
1953 e seu autor, Ray Bradbury (1920/2012), nasceu nos Estados Unidos e
publicou obras de vários gêneros, como romances, contos, peças teatrais e
roteiros para filmes, mas obteve renome mundial com este romance. Equiparado
às maiores distopias da literatura, como “Admirável mundo novo”, de Aldous
Huxley, e “1984”, de George Orwell, é uma história inquietante e até mesmo
profética. A narrativa cria um clima asfixiante que oprime o leitor, embora
o enredo seja muito simples e poucos os personagens.
Ambientado em
local não identificado, fictício, mas que se parece com os Estados Unidos, é
um país rigidamente autoritário do qual os livros, quaisquer que fossem,
foram banidos e a posse de um só deles constitui crime. É curioso que o
autoritarismo não parte do Estado e seus agentes, mas de baixo para cima, do
comportamento do próprio povo, fanatizado e alinhado de maneira bovina com
as diretrizes gerais. As pessoas são estimuladas a se divertirem o tempo
todo porque assim se tornariam felizes. Todas as casas têm imensas telas de
televisão no lugar das paredes exibindo novelas e entretenimentos com os
quais as pessoas podem interagir. Para fugir da rotina, são estimuladas a
ingerir pílulas e mais pílulas. A delação é a norma e acontece até mesmo
dentro das famílias, tal como fez Mildred, mulher do bombeiro Montag, por
ter ele lido trechos de um poema para ela e algumas amigas que a visitavam.
A delação provoca uma perseguição sem precedentes contra o bombeiro que foge
apavorado sem saber aonde ir.
Aspecto dos mais curiosos e paradoxais
é que os bombeiros, antes dedicados a apagar incêndios, se transformam em
queimadores de livros e sua função é incinerá-los sem piedade onde quer que
se encontrem. É que a leitura de livros faz pensar e, portanto, o livro é um
perigoso inimigo em potencial. As pessoas não devem pensar mas limitar-se a
viver o cotidiano vendo novelas, programas de televisão e conversando sobre
futilidades. E obedecendo sem pestanejar as regras estabelecidas.
Montag era bombeiro, bem casado com Mildred, tinha uma bela casa com paredes
transformadas em telas de televisão. Cumpria sem problemas sua jornada de
trabalho e estava feliz da vida. Vai que encontra na rua a vizinha de nome
Clarisse, moça de 17 anos, e ela lhe diz coisas estranhas que começam a
trabalhar na sua cabeça. Descobre depois, por acaso, que sua mulher vivia à
base de drogas. Por fim, entra em contato com o Professor Faber, velho
subversivo que, mesmo com muito medo, o estimula à rebeldia. A queima de uma
biblioteca com sua dona, uma idosa que se recusa a abandonar seus livros, é
a gota d’água. Num ato revolucionário, lê em voz alta para a mulher e suas
amigas o trecho de um poema. Ela o denuncia e desaparece enquanto ele inicia
uma fuga desesperada. No outro lado do rio, sobre os trilhos abandonados de
uma ferrovia, encontra um grupo de intelectuais foragidos que têm na memória
grande parte do conhecimento humano e a eles se junta. Com esse recurso,
creio que o autor quis indicar que por mais que seja perseguida a cultura
sempre encontra uma forma de renascer. Enquanto eles conversam escondidos na
mata avistam os clarões de mais uma guerra em que o mundo está envolvido.
O clima do livro é sufocante. Todos pensam e agem da mesma forma como
seres fanatizados e intolerantes. Qualquer ideia diferente ou renovadora é
punida e todos devem se conformar com a mesma vidinha monótona e aguada. É
um alerta contra as ditaduras de todos os tipos e cores cujos adeptos estão
sempre de tocaia para implantá-las.
Recorda o escritor Manuel da
Costa Pinto, prefaciador da edição brasileira, o seguinte fato: “Em 1933,
quando os nazistas queimaram em praça pública livros de escritores e
intelectuais como Marx, Kafka, Thomas Mann, Albert Einsten e Freud, o
criador da psicanálise fez o seguinte comentário a seu amigo Ernest Jones:
Que progresso estamos fazendo. Na Idade Média, teriam queimado a mim; hoje
em dia, eles se contentam em queimar meus livros.” Mal previa ele que alguns
anos depois teria início a maior queima de pessoas já registrada pela
história.
A democracia é a maior conquista do homem civilizado. Sua
defesa é um dever de quantos não têm alma de escravos.
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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