Enéas Athanázio
O FURIOSO DA RUE POPINCOURT |
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Georges Simenon (1903/1989) foi um dos mais prolíficos escritores da
moderna literatura francesa. Conseguiu aliar o tom popularesco com a alta
qualidade da escrita. Publicou mais de 200 livros e vendeu mais de um bilhão
de exemplares, em todo o mundo, em versões para inúmeros idiomas. Dono de
uma imaginação sem limites, engendrou numerosas histórias policiais nas
quais desponta sempre o comissário da Polícia Judiciária francesa, Jules
Maigret, um dos personagens de ficção mais célebres da literatura, formando
ao lado de Sherlock Holmes e Hercule Poirot. Humano, compreensivo, Maigret
não usa arma e nem a violência, preferindo desvendar os crimes pela dedução
e pelo raciocínio. Salvo uns poucos casos, sempre se dá bem e acerta no
alvo. Seu método é o de não ter método.
Muitos de seus romances têm
sido publicados no Brasil, onde ele conta com apreciável número de leitores.
Entre eles avulta “Maigret e o Matador” (L&PM Pocket – P. Alegre – 2018),
contendo uma das mais intrigantes investigações do comissário, tendo como
pano de fundo a cidade de Paris num período chuvoso em que escorria água
pelas calçadas e o vento castigava as pessoas. Um rapaz de família rica, de
comportamento discreto e sem antecedentes criminais, é assassinado com sete
facadas numa noite silenciosa na Rua Popincourt. O crime é presenciado por
um casal que se aproximava debaixo de seu guarda-chuva e por um idosa que
tudo contempla pela janela do apartamento. Eles guardam na memória uns
poucos detalhes do matador mas que seriam a chave do mistério e levariam ao
criminoso. A vítima nutria paixão pelas gravações, portava sempre um
gravador, e procurava registrar trechos de conversas nos mais variados
locais. Considerava-as documentos humanos e pretendia estudar sociologia.
Imaginou-se, no início, que tais gravações seriam a causa do crime, mas o
matador não levou o gravador, embora isso pudesse ser feito com facilidade.
Aí estava o quiproquó, o nó górdio, da história. Maigret se põe em campo.
Os jornais dão ampla cobertura ao fato. A família do morto é influente.
O juiz de instrução tem pressa e quer logo uma solução. O comissário, calmo
e pachorrento, pouco parece fazer e não deixa de tomar seus goles de
calvados ou uma boa cerveja na Brasserie Dauphine, seu ponto
predileto. Nesse meio tempo o criminoso dá sinal de vida. Escreve cartas aos
jornais, em letra de forma e cor verde, e entra em contato com o comissário
pelo telefone. Acaba se entregando e tudo se esclarece.
Simenon é
mestre do diálogo. Usa-o em profusão e de maneira perfeita. Também é preciso
no uso da palavra, buscando sempre o “le mot just” dos
clássicos franceses. Segundo a lenda, retirava os nomes dos personagens do
catálogo telefônico de Paris, afirmação que não sei se merece muita fé.
Sabe-se, no entanto, que quando escrevia trancava-se no escritório levando o
guia telefônico e uma garrafa de bebida. Não falava com ninguém, não atendia
ao telefone e não recebia visitas. Conta-se que seu editor brasileiro foi
visitá-lo e deu com o nariz na porta: “O senhor Simenon está escrevendo!” –
lamentou a secretária. Hemingway também adotava método semelhante e entre as
seis da manhã e as treze horas ficava recluso, escrevendo. É por isso que se
diz que o ofício do escritor é o mais solitário do mundo. Diante da folha em
branco ou da tela vazia ninguém pode ajudá-lo e ele tem que revolver suas
entranhas para dar vida às palavras. Simenon estudou sociologia criminal e
medicina legal, o que transparece dos seus livros quando Maigret faz
especulações a respeito do crime e do criminoso. Dizia que para identificar
o criminoso é indispensável bem conhecer a vítima. Sua técnica de
interrogatório, repetindo e repetindo as mesmas perguntas por interrogadores
diferentes sempre revelava bom resultado. Maigret é uma espécie de
comissário-filósofo.
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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