Enéas Athanázio
LUNA E O BRASIL PROFUNDO |
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Luiz Luna
foi um dos escritores mais interessantes que conheci e de cuja amizade pude
privar. Estive com ele várias vezes, no Rio de Janeiro, e trocamos cartas
durante longos anos. Pernambucano, foi Promotor Público no interior de seu
Estado sem jamais abandonar o jornalismo a que se dedicou desde os 16 anos
de idade. Trasnferiu-se para o Rio de Janeiro e trabalhou por muito tempo no
jornal “Diário de Notícias”, pertencente à família Dantas, um dos periódicos
mais influentes da época no país. A par do jornalismo militante, ele se
dedicou com seriedade a vários tipos de pesquisa, visando sempre revelar o
Brasil profundo, aquele pouco conhecido pelas pessoas em geral. Em três
campos, pelo menos, Luna deu exemplar contribuição: o cangaço, o índio e o
negro.
Na área do cangaço publicou o livro “Lampião e seus cabras”
(Livros do Mundo Inteiro – Rio – 1972 – 2ª. edição), hoje considerado um
clássico do assunto. É um trabalho minucioso e bem fundamentado, revelando
aspectos em geral confusos e pouco esclarecidos em outras obras. Nomeia e
numera, por exemplo, um por um, os componentes do grupo de Virgulino
Ferreira da Silva em cada ação do bandoleiro. Em um levantamento biográfico
detalhado, mostra as condições sociais que levavam os rapazes da época a
abraçar o cangaço, quase sempre vítimas de graves injustiças, perseguições e
humilhações por parte dos “coronéis” que dominavam o sertão. A ausência
quase total do Estado não fornecia condições para o estudo e a realização da
justiça. Outro ponto importante por ele estudado é uma comparação entre
Antônio Silvino e Lampião, os cangaceiros mais famosos do período. Enquanto
o primeiro era comedido e justiceiro, o segundo praticava um cangaço sem
ética, matando, esfolando e perseguindo inocentes. Depois que Lampião foi
derrotado na tentativa de invadir a cidade de Mossoró e teve que fugir com o
rabo entre as pernas, vencido, sem munição e sem dinheiro, entregou-se a um
rol de iniquidades sem precedentes, vingando-se nos outros de seu próprio
fracasso. Comenta também as lendas que cercam a figura do cangaceiro Corisco
e sua mulher, Dadá, colocando as coisas nos devidos lugares, e o caso da
patente de capitão que foi concedida a Lampião pelo Padre Cícero Romão
Batista, de Juazeiro do Norte, por inspiração do Dr. Floro Bartolomeu da
Costa, braço direito do sacerdote. Além disso, Lampião recebeu muito
armamento, munição em quantidade, dinheiro e roupas para combater a Coluna
Prestes que assombrava os sertões. Mas não era ingênuo a ponto de enfrentar
um batalhão de soldados profissionais, treinados e calejados no ofício.
Jamais combateu a Coluna e usou o armamento para reforçar seu bando como
nunca. Luna também relata o período em que Lampião, cercado por todos os
lados pelas volantes, se interna no Raso da Catarina, onde a vida humana é
quase impossível e sai de lá com o bando esfarrapado, faminto e sedento,
praticando pequenos assaltos para se recuperar. Analisa ainda o talento
inato de estrategista de Lampião, vencendo lutas desiguais, fugindo sem
deixar rastro e despistando as forças legais em inúmeros encontros. Muitos
outros aspectos são abordados nesse livro que é um manancial de
ensinamentos. A Editora Livros do Mundo Inteiro também publicou obras dos
catarinenses Ricardo Hoffmann e C. Ronald.
Em seu livro “A
resistência do índio à dominação do Brasil” (Editora Fora do Texto – Coimbra
– 1993) Luiz Luna revela com detalhes a luta dos índios brasileiros contra
os colonizadores, a exemplo do célebre cacique Nheçu. Aborda um aspecto
importante, em geral pouco mencionado: no momento histórico da chegada dos
portugueses os índios brasileiros estavam deixando a fase coletora/caçadora
para ingressar na fase agricultora, ou seja, estavam evoluindo de forma
natural como os demais povos. A invasão branca impediu a evolução natural e
desorganizou por completo a cultura indígena. Foi uma desculturação.
“O negro na luta contra a escravidão” (Livraria Editora Cátedra – Rio –
1976) examina em detalhe o que foi a luta surda e desigual dos negros contra
a escravidão. Alinha cada um dos movimentos rebeldes e todas as barbaridades
que se cometeram contra o elemento africano ao longo de trezentos anos. São
atos de arrepiar os cabelos e que eram praticados com a maior naturalidade,
inclusive por senhores e senhoras ilustres que viviam rezando e batendo
contritos nos peitos. Muitas dessas cenas foram evocadas por Monteiro
Lobato, neto de um senhor de escravos, em seu conto “Negrinha.” O livro de
Luna é um brado pela justiça e uma pesada lição contra os preconceitos.
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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