Enéas Athanázio
O “CANUDINHO” |
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A faixa de terras entre os rios Canoas e Pelotas, formadores do
Uruguai, foi conhecida em geral como Entre-Rios. Por ela passa a chamada
estrada velha, ligando Campos Novos a Lages, fazendo-se a travessia do
Canoas através de uma balsa de cabo tirada a muque pelo balseiro (*). Ali se
situa hoje o município de Celso Ramos, desmembrado de Anita Garibaldi, minha
primeira comarca como Promotor de Justiça. Nessa região surgiu, no final do
Século XIX, um movimento messiânico sobre o qual ouvi algumas referências
mas que foi pouco estudado, sendo, em consequência, um episódio quase
desconhecido de nossa história. Lendo agora o excelente livro “Lideranças do
Contestado”, de autoria do historiador e professor da UFSC Paulo Pinheiro
Machado (Editora da UNICAMP – Campinas – 2004), deparei com breve relato
desse fato que ficou conhecido como “Canudinho”, ou seja, um “Canudos”
pequeno, e que julgo merecedor de um comentário.
Segundo o autor,
entre agosto e setembro de 1897, um comerciante de nome Francelino Subtil de
Oliveira, associado a um homem a quem chamavam “São” Miguel ou “São”
Miguelito, que se declarava primo-irmão do “monge” João Maria,
“estabeleceram o culto a uma forma rochosa que havia na região, afirmando
que a pedra era uma santa que estava encantada.” Para libertar a santa, os
devotos tinham que fazer preces e ladainhas sem fim, entoar cantos e
confessar-se com Francelino, o “puxador” das orações. Como penitência dos
pecados praticados, deveriam permanecer algum tempo com pesada pedra sobre a
cabeça. Os devotos da nova fé passaram a se reunir no local, onde não tardou
a nascer um vilarejo com cerca de oitenta ranchos e trezentos moradores. E
como esse tipo de apelo “religioso” tem grande poder de atração, pessoas
pobres, doentes e marginalizadas começaram a afluir ao local, ameaçando a
formação de um reduto ou arraial, fato que assustou as autoridades da região
(p. 173).
Os “coronéis” Henrique Rupp e Lucidóro Luiz de Mattos,
ambos de Campos Novos, solicitaram a intervenção do Estado para debelar o
surto messiânico. Soldados do Regimento de Segurança do Estado e homens de
confiança daqueles “coronéis” tentaram atacar o povoado, mas, para surpresa
deles, foram repelidos a tiros pelos devotos enfurecidos e por estes
perseguidos até a entrada da então Vila de Campos Novos, distante cerca de
quarenta quilômetros. Foi o vexame dos vexames, e os sertanejos, sagrados
heróis pela boca do povo, tiveram sua bravura entoada em prosa e verso,
espalhando-se por toda a região. Alarmado, o governador enviou nova
expedição armada, contando com auxílio de forças gaúchas, e assim foi
debelado o foco revolucionário que ameaçava imitar Canudos, na Bahia, onde
as derrotas governistas se repetiam. Destruída a povoação, o episódio logo
foi esquecido, ainda que contribuísse para o desgaste político daqueles
“coronéis”, cujo prestígio estava em decadência. Segundo o autor, teria
havido uma chacina no Entre-Rios (p. 174).
O novo “monge”, que se
dizia “São” Miguel, tirou partido da devoção que existia em relação a João
Maria, cuja pregação impregnava a região, chamando a atenção do povo e
fazendo profecias apocalípticas, como o fim do mundo no virar do Século, as
pesadas pragas que viriam e outros males. Com o aumento dos moradores,
começaram os inevitáveis abusos, como brigas, saques de roças e fazendas,
furto de gado e porcos. Por outro lado, o movimento revelou a existência de
uma “população errante, suscetível de seguir até o fim suas lideranças
religiosas e as pessoas estavam disponíveis a qualquer tipo de luta” (p.
174).
O “Canudinho”, tema pouco explorado, está à espera dos
pesquisadores. E fica aqui no Estado, em região de fácil acesso e
investigação.
(*) Hoje existem pontes.
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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