Enéas Athanázio
A ARTE DE FAZER FRASES |
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O ser humano, ao longo da existência, vai fazendo frases e mais frases,
a menos que seja mudo. Fazê-las é uma arte e muitas delas ficaram
registradas na História, ao passo que outras tantas revelam pobreza de
espírito ou falta de imaginação. Alguns frasistas se tornaram célebres
graças ao talento para esculpir em poucas palavras uma situação ou traçar a
caricatura de certos personagens. São os que o povo rotula de bocas
malditas, bocas do inferno etc., temidos e evitados.
Desde priscas
eras as frases ecoam pelos tempos, sempre lembradas e repetidas. Júlio César
e sua “alea jacta est”, ao cruzar o Rubicon proibido, não apenas são
lembrados como se tornaram justificativas para graves decisões. Outros, mais
recentes, nunca são esquecidos. “Governar é abrir estradas”, proclamava
Washington Luís, sem perceber que abria caminho para Vargas e seus
seguidores. “O preço da liberdade é a eterna vigilância”, gritavam os
udenistas, até que deixaram de ser vigiados e acabaram com a liberdade. “Um
país se faz com homens e livros”, escreveu Monteiro Lobato, numa frase
sempre repetida, muitas vezes de forma errada. Guimarães Rosa, frasista
incomparável, fez inúmeras, duas delas merecendo lembrança: “Toda saudade é
uma espécie de velhice” e “Viver é um descuido prosseguido.” Nelson
Rodrigues indignou as mulheres ao afirmar que “só as normais gostam de
apanhar.” O inesquecível Barão de Itararé, por sua vez, afirmava que “entre
o céu e a terra existe muito mais que os aviões de carreira.” Stanislaw
Ponte Preta batizou a televisão para sempre: máquina de fazer doidos. Jânio
Quadros, justificando-se por ter desinfetado a poltrona onde o açodado FHC,
candidato por ele derrotado, havia sentado: Fi-lo porque qui-lo! E o
magistrado de dantes, refutando argumentos da parte: Tudo são logomaquias de
uma inextrincável fraseologia metafísica.” Não se esqueça também do
ex-senador Jaison Barreto ao definir a política atual como “uma suruba
partidária.” A lista seria interminável.
Mas existem outras frases,
dessas sem dono, que surgem não se sabe de onde e passam a circular com
frequência sem que as pessoas percebam o quanto são feias, desagradáveis e
ocas de conteúdo. E o mais interessante é que quase sempre são repetidas
como demonstração de modernidade ou elegância. Alguns exemplos que me
ocorrem: fazemos oposição com a cabeça e não com o fígado (imaginem se fosse
com o fígado!); estamos trabalhando em cima de (não seria melhor trabalhar
em baixo, com proteção?); a nível de Brasil; nós, enquanto brasileiros; um
beijo em seu coração (Argh!); bom dia, flor do dia!; manjar dos deuses;
programa de índio; linda de morrer; o Brasil precisa de um choque disto ou
daquilo; com certeza etc. etc.
São frases que nada dizem mas que se
tornaram comuns pela força da repetição. Empobrecem e enfeiam a linguagem.
Mas lutar contra elas - para repetir outra frase - é dar murro em ponta de
faca.
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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