Enéas Athanázio
EXISTE APENAS AQUI
|
|
Sempre que toco no assunto recebo mensagens de alguns leitores manifestando
desagrado. Dizem que deve ser esquecido, assim como o foram tantas
atrocidades cometidas ao longo da história humana. Penso, ao contrário, que
deve ser lembrado sempre e sempre como um dos episódios mais brutais da
história contemporânea. Deve e precisa ser lembrado para que não mais se
repita e caia no esquecimento pelas novas gerações. Refiro-me ao Holocausto
que colocou em execução a monstruosa Solução Final do Problema Judaico,
durante a II Guerra Mundial, com seu horrendo propósito de exterminar os
judeus da face da terra. Recordar os fatos é ainda mais necessário quando o
neonazismo, por espantoso que seja, cresce em toda parte e uma direita
agressiva ameaça o mundo.
A tenebrosa memória dos campos de
extermínio instituídos como destino final de milhões de inocentes, velhos,
doentes, inválidos, crianças, homens e mulheres de todas as idades fechando
o círculo de uma operação em moldes industriais calou fundo na memória
coletiva e não cessam de surgir novos documentos a respeito, constituindo
uma imensa bibliografia. Entre os livros mais recentes, lançado no Brasil
depois de imenso sucesso mundial, está “O Tatuador de Asuschwitz”, de
autoria da jornalista australiana Heather Morris e publicada pela Editora
Planeta (S. Paulo – 2018).
Nele se revela a pungente história de
Lale Sokolov, rapaz que vivia em paz numa pequena cidade eslovaca quando o
país foi invadido pela Alemanha nazista. Os invasores convocam os judeus
para trabalharem no esforço de guerra e como o irmão de Lale era casado e
tinha filhos a sustentar, ele se apresenta em Praga e lá é embarcado em trem
destinado ao transporte de gado sem saber para onde se dirige. Está tão
lotado que torna impossível sentar ou deitar e as pessoas, espremidas,
respiram umas sobre as outras. Não há sanitários e são usados baldes cujo
conteúdo não tarda a deixar o ar empestado e irrespirável. As portas se
fecham e o comboio parte. Três dias e três noites viajando em pé com algumas
paradas, sempre fora das cidades ou vilas para não despertar atenção. Há
mortes, desmaios, brigas, agressões de guardas, insultos, até a chegada ao
destino. Então os infelizes percebem que foram levados ao complexo de
extermínio de Auschwitz-Birkenau, na Polônia. Sobre o portão principal
lia-se a frase “O trabalho liberta.”
Tangidos através de longa
passarela, sob chuva e frio, são despojados de tudo. Perdem os parcos
pertences, suas roupas são trocadas por sovados uniformes de soldados
inimigos, as bocas são revistadas e os cabelos raspados. Sedentos e
famintos, são amontoados em alojamentos superlotados de onde são retirados
todos os dias para os trabalhos forçados enquanto resistem. Julgados
incapazes, vão para as câmaras de gás e os crematórios cujas cinzas sobem
pelas chaminés e cobrem tudo com uma fina camada. Seres esqueléticos,
cambaleantes, amedrontados circulam aos milhares, trazidos de toda a Europa.
Nesse ambiente tenebroso onde tudo parece perdido, Lale tem uma
oportunidade raríssima: é designado tatuador oficial do campo, cabendo-lhe
enumerar os braços dos prisioneiros que chegam. Graças à sua habilidade,
consegue uma posição um pouco melhor, ainda que patrulhado sem cansaço pelo
guarda Baretski, indivíduo arrogante e boçal, sempre disposto a sacar da
pistola e matar por qualquer motivo. Se por um lado consegue furtar pequenas
quantidades de comida para os colegas de alojamento, Lale vive o permanente
terror de ser considerado colaboracionista ou traidor. Mas a opção era
nítida: obedecer ou morrer. Aos trancos a barrancos, padecendo de todos os
horrores e contrariando as expectativas, Lale sobrevive por três duros e
longos anos. Conhece Gita Fuhrmannova, por quem se apaixona, imaginando uma
vida feliz em companhia dela após o pesadelo. A moça, no entanto, não
enxerga qualquer perspectiva de futuro e se limita a repetir: existe apenas
aqui!
Felizmente ela estava enganada. Os soviéticos se aproximam,
invadem e desmantelam o campo, julgam e executam os carrascos. Baretski é
condenado à prisão perpétua e se suicida na prisão. Gita e Lale se juntam e
recomeçam a vida com bravura e vontade de viver. No momento da libertação do
campo o comandante da tropa teria dito: Filmem, fotografem, colham o maior
número possível de provas e documentos porque dentro de dez anos não faltará
quem sustente que isto não aconteceu!
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
Direitos Reservados É proibida a reprodução deste artigo em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do
autor.
|