Enéas Athanázio
O EXTERMINADOR
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Desde guri Vico ouvia que o pinheiro prejudica o
campo. As grimpas pontudas que se juntam no chão, afiadas e duras, espetam o
gado e não permitem que ele paste. E quanto maior a quantidade de grimpas
espalhadas, maior o espaço perdido na pastagem. Quando o pai saía para
camperear, Vico ia montadinho na frente do arreio e, mais tarde, já mais
taludo, na garupa. Nessas andanças pelo campo o pai cortava a facão os
pinheirinhos novos que estavam começando a crescer. Pelo menos esses não vão
incomodar! – dizia o fazendeiro. E assim Vico se tornou inimigo dos
pinheiros.
Com o tempo chegou a primeira serraria. Pequena indústria,
usando uma serra Tissot lerda e barulhenta, principiou a devorar os
pinheiros de São Simão e das redondezas. Ainda distante das poderosas
serras-fitas e com as toras arrastadas do mato por junta de bois, provocou a
valorização das árvores e elas ganharam um preço que ninguém poderia
imaginar. O pai de Vico encontrou uma aliada e em pouco tempo sua fazenda
estava livre dos incômodos pinheiros e suas aguçadas grimpas. Novas
serrarias surgiram, o preço dos pinheiros subia sem parar e muitos vizinhos
que conservaram os seus enriqueceram do dia para a noite. O pai de Vico
ganhava bom dinheiro com a venda de suas árvores e se arrependia em silêncio
das que havia abatido. Mas era tarde.
Vico, no entanto, viu ali uma
grande oportunidade. Decidiu instalar uma serraria para exterminar os
pinheiros e, ao mesmo tempo, obter bons lucros. Estudou o assunto,
aconselhou-se com técnicos, adquiriu maquinário moderno, guinchos e
caminhões. Visitou a instalação da Companhia Lumber, em Três Barras, então
considerada a maior e a mais moderna serraria da América Latina, conhecida
como “o colosso”, e tratou de montar a sua. Foi comprando os pinhais da
região, cujas árvores eram devoradas com celeridade pelos poderosos dentes
das serras-fitas e transformadas em caibros, vigas, pranchões, tábuas,
dormentes, sarrafos, ripas e tudo mais, transportados em imensos caminhões
de reboque até a ferrovia e dali embarcados em vagões para os mais variados
destinos. Os pinhais principiaram a minguar. Vico enriquecia.
Não
tardou muito e os pinheiros desapareceram. Nos campos e matos nenhum deles
farfalhava ao vento que soprava nas coxilhas e canhadas. Acabado o
“material”, não houve outro recurso: a serraria foi desmontada e
transplantada para região diferente, agora no Oeste. E lá reiniciou sem
cansaço sua faina devoradora. Dia a noite as serras giravam, cresciam os
montões de serragem e os aleijados nos acidentes de trabalho. Manetas,
pernetas, cotós, cegos, deformados ficariam como testemunhos vivos do
monstro nômade e implacável.
Como tudo no mundo, as florestas de
araucárias acabam quando não replantadas. E assim, a poderosa serraria de
Vico mudou outra vez, agora para o Extremo-Oeste e, depois de algum tempo,
para o Paraná, o Mato Grosso e a Amazônia, quando concluíram que árvores de
outras espécies também se prestavam ao corte.
E a faina devoradora
avançou sem parar, abrindo clareiras monumentais. (Vi muitas em Rondônia, no
Tocantins, no Acre, em Roraima).
Orgulhoso, Vico deu entrevistas contando
as vanglórias de sua obra e sustentando que as árvores não fizeram falta
alguma à natureza. Conquistou seguidores, adeptos, discípulos. E todos eles,
ricos, gordos, felizes, prosseguem impávidos, saboreando genuíno prazer a
cada árvore que cai.
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Inspirada em entrevista televisiva.
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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