Enéas Athanázio
GLOBÊS
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A pressão da economia sobre a
sociedade, em todos os setores, está chegando às raias do absurdo. Parece
ficção surreal, inacreditável e inverossímil, mas já surgiu quem pregasse a
“necessidade” de reduzir o vocabulário das pessoas sob a alegação de que
“não é econômico ter quinze ou mais palavras para dizer a mesma coisa.”
Segundo o escritor francês Erik Orsenna, integrante da Academia Francesa, em
entrevista à brasileira Betty Milan, a mundialização está provocando “a
desaparição das línguas, isto por causa da tendência a falar a língua das
quinhentas palavras, que eu chamo de “globês.” São as quinhentas palavras
necessárias à sobrevivência, as palavras do dinheiro, que é o equivalente
geral. Não é útil para a economia ter quinze palavras para dizer a mesma
coisa... Ora, a maior obra de arte coletiva é uma língua, seja ela qual for,
e não há nada pior do que relegá-la ao esquecimento.” Quem diria que a
“modernidade” nos levaria a correr tal risco! Ensinados que a cultura da
pessoa se mede pela riqueza de seu vocabulário, falando ou escrevendo sem
repetições, usando as palavras apropriadas com todas suas nuances, agora
pregarão que isso não é econômico e que o correto será falar da forma mais
pobre possível, com um mínimo de vocábulos. Nessa marcha, não tardará o dia
em que voltaremos a nos comunicar através de grunhidos ou gestos, como seres
primitivos! Será o apogeu da “modernidade globalizante.”
Como se não
bastasse, está ocorrendo um fenômeno que os sociólogos definem como
“enquadramento geral” e que só se imaginava possível em regimes fechados.
Assim, por exemplo, qualquer funcionário, mesmo subalterno, abdica da
própria individualidade e só se expressa na primeira pessoa do plural –
“nós.” Com essa palavrinha de três letras ele se integra melhor à entidade a
que serve, mesmo anulando a si próprio. Isso se completa nos uniformes
iguais, feitos num modelo único nos menores detalhes, e até nos penteados
femininos, idênticos inclusive nas ondulações e fitas. Gestos e modos de
agir tão estudados que parecem mecânicos. Vozes tão ásperas e sem modulação
que semelham a fala metálica dos robôs. Até os sotaques regionais, uma das
riquezas da língua, são proibidos – todos devem falar do mesmo jeito. A
“economia de palavras” aparece até no modo de se expressar ao telefone:
“Quem?” – é a pergunta seca, não havendo sequer a preocupação de completar a
frase. Para que gastar mais uma palavra? Pessoas incumbidas de prestar
orientação a clientes, como em bancos e outras instituições, repetem as
mesmas frases, como palavras de ordem, sempre no mesmo tom. Algumas nem
sequer falam, têm a pergunta escrita nas costas: “Posso ajudar?” Para certas
associações, não usar as designações da praxe é um semi-delito: companheiro,
confrade, consócio, correligionário, camarada etc. E assim, agindo como
autômatos, vamos aos poucos nos afastando cada vez mais de nossos
semelhantes. Não existe mais espaço para os “papos” descontraídos e amigos;
isso não seria econômico.
Escapamos de ditaduras ideológicas e
repressivas mas vivemos sob um controle totalitário difuso, que não sabemos
de onde parte e ao qual ficamos cada vez mais submissos. Por tudo isso,
despeço-me com palavras, enquanto ainda podem ser usadas. É possível que em
breve sejam proibidas e ao escritor reste apenas o silêncio. E no convívio
diário nos comunicaremos grunhindo e gesticulando. Mesmo assim com muita
economia. ___________________________
CENA FUTURISTA
Brasil em tempos de globês
O filho, entrando na sala: - Oi,
pai! Oi, mãe! Belê? O pai faz positivo com o polegar. A mãe: - Hu!
Hu! - Oi, mano! – diz o rapaz. – Joia? - Hu! Hu! – responde o outro.
Para a irmã: - Aí, mina! Lacrando? - Hu! Hu! Silêncio. - Que
está fazendo, pai? - Trabalhando em cima duma ideia. - E como tá? -
Complicado. Eu acho. - Tipo o quê? - Tipo história. – Pausa - Difícil.
A mãe: - Faz parte. Silêncio. - Vai ficar legal? - Com certeza.
Silêncio. Todos se concentram no celular. O rapaz levanta e vai
saindo. - Chega de papo. Tchau! - Hu! Hu! – respondem os outros. A
porta se fecha. Silêncio.
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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