Enéas Athanázio
A MISSÃO DO DR. ADROALDO
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Pela segunda década do século passado o jovem Adroaldo, pernambucano do
Recife e bacharel em Direito, é convidado pelo presidente do Estado a
assumir o cargo de Promotor Público da comarca de Majestosa, no sul do país.
Tinha como missão conter o separatismo que, segundo diziam, contava com
adeptos na cidade, além de combater a criminalidade. Majestosa, situada ao
pé da Serra, era uma cidade habitada por descendentes de alemães, cultivava
os costumes germânicos e usava uma linguagem típica, engrolando um patuá que
misturava o alemão e o português. Adroaldo assume suas funções imbuído das
melhores intenções de cumprir à risca a missão que lhe fora confiada mas se
depara com obstáculos jamais imaginados. Sem entender com precisão a
linguagem local, provoca toda sorte de confusões, sempre interpretadas por
outro prisma pela população, cuja opinião a respeito dele se divide. Ele
enxerga maquinações separatistas até em reuniões de senhoras conversadeiras;
vê indícios de crimes em atitudes triviais das pessoas, influenciado pela
constante leitura de romances policiais. Até que, depois de tantas e tão
variadas confusões, se convence de que a ameaça separatista na verdade não
existe e a criminalidade local é escassa e leve. Para completar, apaixona-se
pela bibliotecária Gertrude, cujo falecimento precoce o deixa arrasado.
Durante muitos anos exerce as funções na comarca e morre solteiro, sem
deixar descendentes e sem merecer nome de rua ou avenida. Até que um
jornalista, tomado pela curiosidade histórica e pela originalidade do
personagem, resolve biografá-lo, deparando-se com toda sorte de dificuldades
diante da ausência de fontes de informação. Com grande esforço, colhendo
dados daqui e dali, consegue reconstituir os passos do aguerrido Promotor e,
mais tarde, encontra seu diário cujo conteúdo pouco altera o que havia
escrito. Esse é, em grossas pinceladas, o enredo do romance “Adroaldo, de
Majestosa”, de autoria de Eduardo Sens, publicado pela Editora Penalux (S.
Paulo – 2018).
O autor revela paciência e fôlego para textos
prolongados e mantém a narrativa em nível elevado, não permitindo que decaia
o interesse do leitor, tarefa nem sempre alcançada no gênero romanesco.
Escreve com desenvoltura e correção, enfrentando com habilidade os momentos
dramáticos, sentimentais, de ação e de humor. Tem cultura e informação. Tudo
indica que inicia com o pé direito uma bela carreira de romancista.
Há personagens e momentos inesquecíveis, a começar pela chegada de Adroaldo
a Majestosa e sua condução ao hotel. Mais tarde, o discurso inflamado que
profere no auditório vazio deixa as pessoas boquiabertas. Diligente e
atento, não é homem de gabinete e busca sempre a ação. E assim, vai ter num
chiqueiro de porcos com o objetivo de salvar crianças vítimas de crimes
hediondos, embora tudo não fosse além de suas dificuldades com a fala local.
Em outra diligência, imaginando maquinações separatistas, invade um milharal
numa das situações mais insólitas de todo o livro. Depara-se com inocente
reunião de senhoras conversadeiras, enrosca-se numa cerca, é atacado por um
velho cão e perde um pé dos sapatos. Mas tudo aceita com dignidade,
suportando as agruras como ônus da função. Trata de investigar certo
Professor Werner, autor de um livro que lhe infunde suspeitas, especializado
na fabricação de salame e surdo quando convém. Para fugir de situações
embaraçosas, confunde infame e exame com salame. No final, Adroaldo e Werner
se tornam amigos, ainda que este seja suspeito de ter sido correspondente
nazista no correr da guerra e, por contraditório que fosse, o único
separatista verdadeiro da cidade. Como se vê, o romance tem ação, humor e
registra os “devaneios alucinados” do jovem Promotor.
Mário de
Andrade estudou as diferenças entre a língua e a fala. Aquela obedece aos
cânones e às regras, esta é a maneira como o povo se expressa. No caso do
romance, a diferença entre elas é ainda maior e às vezes ininteligível para
ouvidos pouco treinados em virtude da influência estrangeira. Nesse aspecto
o romance tem um fundo documental.
Saúdo o novel romancista, duas
vezes colega, como escritor e membro do Ministério Público, desejando-lhe um
futuro de muitas realizações e conquistas.
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e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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