Enéas Athanázio
A OUTRA PÁTRIA
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Terminei de reler o livro “Hemingway na Espanha – A outra pátria”, de
autoria de Eric Nepomuceno (L&PM Editores – P. Alegre – 1991), uma das
melhores biografias parciais do escritor norte-americano Ernest Hemingway
(1899/1961), não apenas pela precisão dos fatos mas também pela penetração
psicológica do biografado, mostrando-o tanto no aspecto físico como no
interior. Correspondente internacional do canal televisivo Band News, Eric
Nepomuceno se esmerou neste livro pouco volumoso mas denso e repleto de
informações que muito contribuem para entender a complexa personalidade
daquele que foi um misto de escritor, viajante e aventureiro, sempre em
busca de fortes emoções, e que esteve presente em muitos dos mais
importantes eventos históricos do século passado.
Desde que descobriu
a Espanha, Hemingway se tornou um aficionado daquele país a ponto de
considerá-lo a segunda pátria. Tinha especial admiração pela geografia
espanhola, pela língua, pelo modo de ser de seu povo e, acima de tudo, pelas
touradas, assunto no qual se tornou autoridade. Visitou o país inúmeras
vezes, participando das corridas de touros pelas ruas e acompanhando de
perto as temporadas de touradas, inclusive penetrando nas arenas e
provocando os touros enquanto a multidão se divertia a valer com as proezas
do americano grandalhão e barbudo. Fez amizade com toureiros e muitas vezes
os acompanhou nas apresentações em diversas cidades por semanas a fio. Tal
sua admiração por Nicanor Villalta, célebre toureiro que, em homenagem a
ele, chamou seu filho primogênito de John Hadley Nicanor Hemingway. Não
contente com tudo isso, cobriu como jornalista a Guerra Civil espanhola e
muito batalhou para obter recursos para os republicanos que tentavam salvar
o país das garras fascistas de Franco. Nesse período estabeleceu seu
quartel-general no célebre Hotel Florida, em Madri, e dali, a pouca
distância do fronte de batalha, cobriu a guerra para a grande imprensa. Foi
ali, entre estrondos de granadas e zunir de balas que escreveu sua única
peça teatral – “A Quina Coluna.” Em consequencia, a Espanha é muito presente
em sua obra, tanto nos romances como nos contos e nos textos jornalísticos.
Para ele, Madri era a capital do mundo e alguns lugares nela existentes
lhe pareciam sagrados. Assim, o célebre Bar Chicote, onde se reunia a nata
dos toureiros, seus acólitos, agentes e pessoas entendidas no assunto era um
dos melhores lugares do mundo. Parafraseando um crítico, os tempos ali
frequentados foram os “anos moços” do escritor. Na sua visão, as touradas
não constituíam apenas um espetáculo, mas um complexo ritual de técnica e
coragem que punha à mostra, em público, a verdade verdadeira, quando homem e
animal davam tudo de si no trágico desenlace. E nesse instante mágico o
toureiro surgia como um ser sobreumano, um semideus que não podia vacilar.
Por isso, qualquer vacilação ou demonstração de medo se tornava fatal para o
toureiro e muitos deles decaíam de maneira irremediável. Essas figuras
tristes, vencidas e empobrecidas também povoam a obra do escritor, ao lado
dos grandes vencedores, as mais brilhantes estrelas das principais
“fiestas.”
Quanto à Espanha, os tempos da Guerra Civil foram para ele
um pesadelo. Desde suas viagens pela Itália de Mussolini fora tomado de
profunda aversão pelo fascismo e previu o que viria sob seu domínio. Por
isso, costumava dizer que sob o fascismo nenhum escritor pode viver e, muito
menos, trabalhar. Em célebre discurso pronunciado em Nova York, em busca de
ajuda aos republicados espanhóis, ele que abominava falar em público,
afirmou: “Mas o fascismo é incompatível com essa exigência. Porque o
fascismo é uma mentira fabricada pelos tiranos. Um escritor que não minta
não pode viver nem trabalhar no fascismo, porque o fascismo é uma mentira e
está condenado à esterilidade literária...” Palavras proféticas que a
história comprovaria dentro de poucos anos.
Pouco depois, com a
vitória franquista e suas hostes dominando sua segunda pátria, Ernest
Hemingway se retirou da Espanha tomado de uma das maiores tristezas de sua
existência.
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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