Enéas Athanázio
A LONGA NOITE SEM LUA
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O escritor norte-americano John Steinbeck (1902/1968), Prêmio Nobel de
Literatura, tornou-se popular em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde tem
inúmeros leitores, graças a alguns de seus livros mais conhecidos, como o
célebre “As vinhas da ira”, “Doce quinta-feira” e “A pérola”, este último
vertido para o cinema e o teatro nacionais. Foi um dos escritores mais
filmados em vários países. Outros livros dele, no entanto, também tiveram
numerosos leitores, como “Boêmios errantes”, “O inverno de nossa
desesperança” e o pequeno romance “A longa noite sem lua”, traduzido para o
português por Pinheiro de Lemos, é aquele que mais me toca em toda sua obra.
É uma lição de amor à liberdade e de respeito à democracia, tanto que sua
posse, nos países ocupados, durante a II Guerra Mundial, mesmo em toscas
reproduções, importava em sumário fuzilamento.
Nesse romance, escrito
com empenho e emoção, o exército nazista invade quase sem resistência um
pequeno e indefeso país, instalando-se numa diminuta cidade onde funcionava
produtiva mina de cujo carvão os ocupantes necessitavam com urgência. Logo
de chegada, com a costumeira brutalidade, mataram com rajadas de
metralhadoras seis guardas locais e feriram mais alguns, sem necessidade.
Instalaram seu estado-maior no modesto palácio da prefeitura e tentaram, a
todo custo, obter a adesão do prefeito, embora este explicasse que fôra
eleito por um povo que só admitia autoridades por ele escolhidas com
liberdade. Aquele povo elegia seus dirigentes há tanto tempo que se perdia
na memória e há quatrocentos anos não sofria invasões estrangeiras. Para
ele, só o voto legitimava os homens públicos, escolhidos depois de muita
discussão e cada um votando conforme suas ideias. Povo dócil, trabalhador e
pacífico – mas livre. Enquanto os nazistas seguiam sem discutir a ordem do
líder, entre aquele povo cada um era seu próprio líder. Tentava explicar a
diferença entre obediente e cumpridor da lei. Os invasores, arrogantes, não
lhe deram ouvidos, imaginando que país ocupado significava país dominado.
Esse erro de avaliação psicológica custou-lhes caro, foi sua perdição.
Passado o susto inicial, começou a resistência, uma resistência em
surdina, uma resistência de algodão – como diria Graciliano Ramos. Os
habitantes negavam a palavra aos ocupantes, só compravam o indispensável,
recolhiam-se às suas casas, fugiam de qualquer contato com o invasor. Logo
de início uma cozinheira (alçada à condição de heroína) lança água fervente
em soldados que a espiavam através da porta, restaurantes serviam aos
soldados comida com excesso de sal ou pimenta, um tenente foi morto a golpes
de tesoura por uma mulher, outro tentou obrigar um mineiro a trabalhar e foi
morto a picaretadas, a usina elétrica deixava de funcionar por mistério,
vagonetes da mina descarrilavam, máquinas ficavam avariadas, atentados
anônimos aconteciam. Nos menores gestos transparecia o ódio contido. E
assim, dia a dia, o terror foi num crescendo, os invasores se sentiam
cercados, vigiados, ameaçados; os vencedores temiam os vencidos. Enquanto
isso, pescadores que fugiam levavam mensagens aos aliados e estes começaram
a lançar dos aviões cartuchos de dinamite aos milhares, com instruções de
uso, armando a população civil. Começam as explosões, aqui, ali, acolá, em
toda parte, isoladas no começo, depois em série, tornando inviável o uso da
mina ou de qualquer serviço da cidade coberta de neve. Ao longe, em outros
campos de batalha, os aliados avançavam para a vitória final.
Nem o
fuzilamento do prefeito e do velho médico, Dr. Winter, interrompe a reação
popular. Este último, ao rumar para a morte, afirma ante um perplexo
estado-maior: “Nosso país foi invadido, mas não creio que tenha sido
conquistado. Ninguém jamais conseguirá quebrar o espírito do homem
permanentemente!”.
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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