Enéas Athanázio
O HÓSPEDE
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O senhor Almeida se dedicava à agricultura. Vivia num sítio perdido
no ermo, aprazível e silencioso, onde as preocupações mais urgentes se
relacionavam às condições do tempo, em geral favoráveis, propiciando boas
colheitas. Gastava seus longos dias sugando grosso palheiro e, pela tarde,
se ajeitava à beira do fogão de lenha, matutando ideias nunca reveladas,
enquanto a mulher preparava um jantar simples mas delicioso. Com o correr do
tempo, porém, outra preocupação começou a toldar sua paz. É que o tranquilo
sitiante tinha nada menos que nove filhas, algumas já passadas e outras em
pleno viço, todas simpáticas e bonitonas. Como naqueles ínvios pouca gente
de fora aparecia, as pobres moças não encontravam pretendentes e todas
corriam o risco de ficar para titias. Em conversas com a mulher, Almeida se
convenceu de que teria que mudar de lugar e de profissão em benefício da
prole casadoira.
Passou a ler com atenção os anúncios dos jornais até
que encontrou a solução. Numa estância de águas, não distante dali, estava à
venda um amplo e antigo hotel. Almeida tratou de vender o sítio, com o gado,
os cavalos, as ovelhas, as roças e tudo o mais, apurando considerável
importância. Logo em seguida, sem maiores problemas, adquiriu o
estabelecimento. Em pouco tempo, ele e a família estavam instalados no
Grande Hotel, tão grande que possuía quartos em profusão, corredores imensos
e salas espaçosas, além de ficar bem próximo das fontes minerais.
Ansiosa, toda a família ficou aguardando a chegada dos hóspedes, mas eles
tardavam a aparecer. Mal administrado pelos antigos donos, o hotel não
gozava de grande conceito. Mas vai que um dia, afinal, apontou na curva da
estrada o primeiro e tão esperado hóspede. Tratava-se de um senhor Garcia,
já entrado em anos, acometido de mal dos nervos e que procurava um recanto
sossegado onde aplacar o mal que tanto o afligia. Foi recebido com toda
cortesia e alojado no melhor quarto, com ampla vista para a cidadezinha e as
verdejantes matas da região.
Desde o primeiro instante, foi o hóspede
tratado com as maiores gentilezas. Bastava manifestar qualquer desejo e seu
Almeida estava pronto a satisfazê-lo.
– O senhor Garcia quer um copo
d’água! – gritava para dentro. E não tardava a aparecer uma das nove, toda
elegante e brejeira, levando o líquido numa bandeja recoberta por uma toalha
de crochê.
Tão logo servida a refeição, acorria o senhor Almeida,
todo cheio de mesuras, em busca do precioso hóspede.
– Meninas! –
bradava ele. – Preparem um lugar para o senhor Garcia!
Durante a
refeição os salamaleques se repetiam.
– Sirva-se mais, senhor Garcia!
Experimente esta coxa de frango crioulo. Este é um feijão especial,
preparado para o senhor.
Constrangido, o hóspede agradecia, embora
lamentasse no íntimo a conspiração contra o sossego e a solidão que tanto
procurava. Até que um dia, enjoado daquilo tudo, tomou uma séria decisão.
Na calada da noite, quando todos dormiam, arrumou sua tralha, desceu a
escadaria e deixou sobre o balcão da portaria o pagamento da hospedagem.
Em completo silêncio, sumiu na noite sem deixar rastro. Delicadeza em
excesso enjoa e cansa!
Este é o resumo simplificado de um capítulo do
romance “Vida Ociosa”, obra-prima de nossa literatura, publicado em 1920, e
que consagrou o escritor mineiro Godofredo Rangel.
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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