Enéas Athanázio
O OGRO E A POMBA
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Quando se anunciou o
próximo casamento de Diego Rivera e Frida Khalo, o pai da moça teria
afirmado que se tratava da união do ogro com a pomba, tão diferentes no
aspecto físico eram os dois. Ele, um homem grandalhão, um tanto gordo e
feio; ela, uma moça magra e de aparência frágil e doentia. Além disso, o
noivo tinha o dobro da idade da noiva e já passara por outros matrimônios,
todos mal sucedidos. Mas o casamento aconteceu duas vezes e foi dos mais
comentados e controversos dos meios culturais de todo o mundo. A história de
amor de Frida e Diego foi a de uma união inseparável em que ambos se
irmanavam no sentimento revolucionário, tanto na vida como na arte. Ele foi
o maior muralista mexicano e ela, por sua vez, uma pintora que encantou os
apreciadores de todo o mundo.
Pessoa doentia, acometida de
poliomielite aos seis anos de idade, vítima de terrível acidente que a
cumularia de sofrimentos pela vida a fora, Frida se apaixonou pelo pintor
quando menina e comparecia ao local onde ele trabalhava para vê-lo e
contemplar sua arte. Desde logo comungou com ele do ideal de recuperar o
México histórico e tradicional, revivendo os costumes, a arte secular do
povo mexicano e a cultura dos indígenas pré-colombianos, libertando-se de
influências estrangeiras. Fiel a esse propósito, com o integral apoio dela,
Diego realizou imensos murais que impressionaram desde logo pela grandeza,
pela inspiração e pela beleza. Seu nome não tardou a transpor as fronteiras
e se tornou um artista de fama mundial, convidado várias vezes para executar
obras em outros países, inclusive nos Estados Unidos, onde travou uma luta
desigual com o todo-poderoso Nelson Rockefeller.
Diego Rivera foi uma
figura complexa. A par da seriedade e disciplina com que se lançava ao
trabalho, era “um mentiroso, um fanfarrão, um inventor de histórias que se
alimentavam do imaginário”, como escreveu seu biógrafo. Inveterado
conquistador, apesar da feiúra, manteve vários relacionamentos amorosos
complicados e ruidosos. Entregou-se às mais estranhas experiências, provando
inclusive o canibalismo, ocasião em que declarou que a carne humana é
adocicada. Mas nutria uma fé inquebrantável na renovação da arte popular
mexicana e com isso selou sua sobrevivência na história da pintura moderna.
Recebeu e suportou com estoicismo críticas que ridicularizavam sua escolha
indianista, mas jamais abdicou dela.
Seus imensos murais, vivos e
brilhantes, tiravam do ostracismo o México profundo que estava sendo
soterrado pelas influências de fora. Retratavam os nativos nas suas
atividades cotidianas, as mulheres de pele ocre com as costas largas e
fisionomias serenas, os cabelos longos e negros, às vezes numa nudez
inocente e despreocupada. A vida fluindo como nos tempos de dantes, Para
isso, captando imagens in loco, ele perambulava pelos rincões mexicanos de
onde retornava com a mala repleta de esboços e anotações. Realizava o que
seu biógrafo denominou de festa indígena, sempre ao lado da mulher. “Frida,
bem como Diego, inventou o passado indígena do México (...) Mas Diego é o
primeiro a exprimir verdadeiramente o mundo indígena, sua força vital, sua
exuberância colorida, seu martírio cotidiano também” – afirmou o biógrafo.
A influência da arte de Diego, ao lado de Frida, não tarda a se fazer
sentir. Surge aquele México alegre, colorido, musical e amante da liberdade.
Ambos, em conjunto, provocaram a revolução através da pintura. E lutaram
sempre por um mundo melhor, com muita paz, a proscrição das armas nucleares
e a solidariedade entre os povos.
As biografias paralelas de Frida e
Diego estão reconstruídas de forma magistral no livro “Diego e Frida”, de
autoria de J. M. G. Le Clézio, escritor francês, detentor do Prêmio Nobel de
Literatura, publicado entre nós pela Editora Record (2010), em tradução de
Vera Lúcia dos Reis. Obra que mereceu do jornal “Le Monde” as seguintes
palavras: “Esta biografia amplia a história, a dos indivíduos e dos povos,
até as dimensões da lenda.”
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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