Enéas Athanázio
O ANJO DE HAMBURGO
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“A Aracy, minha mulher, Ara, pertence este livro.” Guimarães Rosa
Importante publicação de cunho histórico e cultural publicou
interessante ensaio a respeito de Aracy Guimarães Rosa (1908/2011), de
autoria de Ayrton Gonçalves Celestino, e que bem merece algumas
considerações (*).
Nascida em Rio Negro (PR), foi registrada como
Ema e, mais tarde, mediante sentença judicial, passou e ser Aracy Mebios
(que deveria ser Moebius). Ainda criança, mudou-se para São Paulo em
companhia da mãe. Em 1929 casou-se com o cidadão alemão Johannes Edward
Ludwuig Tess, com quem teve o filho Eduardo Tess. O casamento não durou
muito e Aracy, com o filho e a mãe, mudou-se para a Alemanha, onde a vida
não foi fácil. Graças ao seu conhecimento de idiomas, conseguiu um emprego
no Consulado Brasileiro em Hamburgo, onde lhe cabia tratar dos documentos
das pessoas que desejavam emigrar para o Brasil. Aí teve início uma fase
gloriosa de sua vida.
Médico, escritor e diplomata de carreira, o
mineiro João Guimarães Rosa foi designado titular do mesmo Consulado e lá
conheceu Aracy, mulher muito bonita e elegante. Apaixonaram-se e passaram a
viver juntos, casando-se anos depois no México, por procuração, uma vez que
no Brasil ainda não havia divórcio. Guimarães Rosa também havia saído de um
casamento mal sucedido. Passam, então, a trabalhar juntos.
Intensificava-se na Alemanha a perseguição contra os judeus, com a chamada
Solução Final em plena execução, enquanto no Brasil o governo Vargas impedia
a entrada de semitas. Desesperados, eles buscavam todas as formas para
deixar aquele país. E então, correndo o risco de ser descoberta e cair nas
mãos da Gestapo, o que lhe custaria a própria vida, Aracy começou a tomar
medidas para facilitar a entrada de judeus no Brasil. Omitia nos documentos
qualquer menção à condição de judeus dos emigrantes e assim salvou a vida de
muitas pessoas de todas as idades. Era um sério risco que ela assumiu com
imensa coragem, ciente de que praticava atos de verdadeiro heroísmo e movida
por profundo sentimento humanitário. Sabendo das ações da esposa, Guimarães
Rosa temia por ela mas jamais interferiu. “O pavor que você tinha que a
Gestapo me pegasse...” – lembrou ela em uma carta.
Retornando ao
Brasil, Guimarães Rosa se consagra como um dos maiores expoentes de nossa
literatura. Eleito para a Academia Brasileira de Letras, vai adiando a posse
como que tomado de estranha premonição. Falece três dias após a solenidade,
aos 59 anos de idade, deixando uma obra imorredoura em que avulta o “Grande
sertão: veredas”, romance monumental que até hoje desafia os críticos.
Dizia-se, na época de seu lançamento, que ele provocou um abalo sísmico em
nosso mundo literário.
Aracy, sempre corajosa e decidida, desafia a
ditadura e abriga perseguidos políticos em sua própria casa. Como em tempos
de guerra, na Alemanha, afronta todos os riscos.
O reconhecimento
pelo seu esforço em favor dos judeus não tarda a aparecer, não apenas aqui
mas também no exterior. “Foi a única mulher latino-americana de origem não
judia considerada personalidade de relevo internacional pela Comunidade de
Israel”, informa o autor. Tornou-se conhecida como o Anjo de Hamburgo, foi
homenageada no Museu do Holocausto, em Jerusalém, no Jardim dos Justos, e
também no de Washington. Em 1985, com a presença dela, foi inaugurado o
Bosque Aracy, em Jerusalém, ocasião em que proferiu bela oração. Em Rio
Negro, sua cidade natal, é inaugurada em 2012 a Biblioteca Cidadã Aracy
Guimarães Rosa em festiva e justa homenagem à filha da terra, contando com a
presença de seus descendentes e numeroso público.
Aracy viveu até os
102 anos, cercada sempre pelo afeto e pelo reconhecimento por sua corajosa
defesa das vítimas do ódio e da desvairada intolerância. Seu nome ficou
inscrito de maneira perene nos anais da história mundial.
O ensaio de
Ayrton Gonçalves Celestino é rico em material iconográfico e constitui uma
bela homenagem a quem a mereceu, além de ser um alerta para que tais
monstruosidades nunca mais se repitam.
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(*) Boletim do Instituto Histórico e Geográfico
do Paraná, Vol. LXX, 2017, p. 23.
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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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