Enéas Athanázio
O OLHO DO TSAR
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Nascido na Finlândia, então integrante do Império Russo, filho de um
agente funerário fiel ao Tsar, Pekkala foi enviado pelo pai a Moscou para
integrar o Regimento Finlandês, tropa de elite da estrita confiança do
soberano. Em virtude de seu temperamento rebelde e de sua coragem, o rapaz
caiu nas graças do Tsar Nicolau II, de quem se tornou amigo íntimo e homem
de absoluta confiança. Frequentava o palácio e tratava o imperador de
maneira informal, ainda que mantendo sempre a conveniente distância e o
devido respeito. Encarregado das mais difíceis missões, incluindo
investigações sigilosas, tornou-se o detetive mais famoso de toda a Rússia.
Ficou conhecido como o “Olho de Esmeralda do Tsar.” Sua paixão por uma moça
de nome Ilya era incentivada pelo próprio soberano. A vida transcorria
serena e feliz.
Sobreveio, porém, a Revolução de 1917, e Pekkala não
teve outro recurso senão tentar a fuga, no que foi apoiado pelo Tsar.
Pretendia ir a Paris, onde a moça estaria à sua espera. Mas os
revolucionários o prendem no caminho e, depois de marchas e contramarchas, é
levado à presença de Stálin. O líder revolucionário o interroga sobe vários
assuntos, em especial sobre o esconderijo do tesouro do Tsar que, segundo se
dizia, era algo de fabuloso, como de fato se constataria mais tarde. Pekkala
nada informou, mesmo porque nada sabia a respeito, uma vez que o monarca
nunca havia chegado a tais detalhes. Impressionado com a postura do
investigador, Stálin decide poupar sua vida, imaginando que ele poderia ser
útil mais tarde. É enviado para a Sibéria, onde vive numa cabana miserável e
tem por missão assinalar as árvores destinadas ao corte. No local em que foi
confinado, a fuga era impossível e a sobrevivência dos prisioneiros não
superava alguns meses, tão adversas eram as condições. Pekkala, no entanto,
já estava lá há nove anos quando recebe um emissário. Tratava-se do
comissário Kirov, que vinha em nome de Stálin, para livrá-lo do gulag.
Recebido por Stálin, nessa altura chefe de uma revolução consolidada,
volta a ser interrogado e recebe dupla missão: descobrir quem assassinou a
família Romanov (o Tsar, a esposa, quatro filhas e o filho Alexei) e o local
onde se encontrava o tesouro do imperador. A execução da família imperial
não teria sido determinada pelos revolucionários e nem estava nos seus
planos. Houve o boato de que fora ordenada por Lênin, mas isso jamais foi
comprovado. Em companhia de Kirov e de um irmão, Anton, Pekkala se põe em
campo e dá início à complicada investigação.
Depois de longas
andanças e buscas infrutíferas, grandes perigos e mortes de possíveis
informantes, o trio encontra o fio da meada. Consegue reconstituir o
assassinato da família imperial, na Casa Ipatiev, e os seus corpos, lançados
nas profundezas de uma mina abandonada, com exceção de Alexei que lá não se
encontrava. Mais tarde ele se apresenta, vivo e saudável, mas na verdade não
passava de um impostor. O fabuloso tesouro do Tsar se encontrava em coletes
ajustados ao corpo de cada uma das vítimas, contendo imensa fortuna em
pedras preciosas, equivalentes hoje a mais de 190 milhões de dólares. Foi
devolvido aos cofres públicos. E o verdadeiro Alexei, ao contrário da
história real, jamais foi encontrado.
O prêmio pelo sucesso da
operação foi a liberdade. Ainda que relutante, Pekkala deixa de ser o Olho
do Tsar Nicolau para se transformar no Olho do Tsar Vermelho. Mas a
felicidade nunca é completa: cansada de esperar por ele, Ilya havia se
casado, tinha um filho e se tornara professora na capital francesa. Kirov,
já major do Exército Vermelho, passou a integrar sua equipe de
investigadores.
Essa é, em linhas gerais, a trama do excelente
romance “O Olho do Tsar Vermelho”, de autoria do escritor inglês Sam
Eastland, lançado no Brasil pela Editora Record (Rio de Janeiro – 2013), em
tradução de Marcio de Paula S. Hack.
Além de uma história absorvente,
o autor conseguiu reconstituir o ambiente caótico reinante na Rússia
pós-revolucionária, a guerra entre Brancos e Vermelhos, a atmosfera de
suspeitas e desconfianças, a caça-às-bruxas, o ódio, o terror, o medo. A
figura do Tsar, sereno diante das perspectivas negras, impõe admiração pela
coragem. E a figura de Stálin é sempre descrita da mesma forma sumária, sem
que jamais se chegue a um retrato fiel. Assim o descreve o autor: “O homem
que entrou na sala vestia um terno de lã simples, verde amarronzado, com um
paletó de corte militar, de modo que seu colarinho duro e curto fechava-se
em torno da garganta. Seus cabelos escuros, rajados de branco acima das
orelhas e têmporas, fora penteado para trás e um espesso bigode acumulava-se
sob o nariz. Quando ele sorriu, seus olhos se fecharam como os de um gato
satisfeito.” Parece a reprodução estereotipada de mil outras descrições.
O romance, de fundo histórico, não se afasta muito dos fatos reais, que
o autor revela conhecer em minúcia. Mas dentro de balizas rígidas a
criatividade do romancista elabora uma trama cativante e que se destaca
dentre outras obras do gênero.
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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