Enéas Athanázio
A MORTE DE LORCA
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As obras de arte, em sua maioria, situam-se entre as medianas. Em
proporção ao que é produzido, apenas uma minoria se destaca pela perfeição e
pela qualidade estética. O mesmo acontece no terreno das letras. Dentre
milhares de obras publicadas, bem poucas atingem os níveis mais elevados e
se transformam em verdadeiros monumentos. Acredito que, sem exagerar, entre
estas se pode incluir “Federico García Lorca – A biografia”, de autoria de
Ian Gibson, que a Editora Globo publicou em nova edição, traduzida por
Augusto Klein (S. Paulo – 2014).
Num trabalho meticuloso,
fundamentado em rigorosas fontes, como costumam ser os ensaios do gênero
biográfico americanos, o autor rastreia os passos do poeta, dramaturgo,
compositor, pianista, pintor e cantor desde o nascimento em Fuente Vaqueros
até sua trágica morte em Granada, na Espanha. Lorca tinha 38 anos de idade
quando foi tragado pela inaudita violência dos golpistas de Franco, no
início da Guerra Civil espanhola, num ato que chocou o meio intelectual de
todo o mundo. O jovem poeta, dotado de uma personalidade fascinante e já
reconhecido como verdadeiro gênio, alimentava muitos sonhos e planejava
grandes realizações no campo da poesia, da dramaturgia e da música. Mas o
obscurantismo e a intolerância, alimentados pela inveja e pelo
ressentimento, não o pouparam, fuzilando-o em surdina, numa noite macabra,
sepultando-o em cova rasa sem qualquer identificação. Depois, ante o alarme
provocado pelo crime, tentaram esconder o fato, como costuma acontecer em
regimes de força.
A breve existência do poeta foi pontilhada de
sucessos. Sua figura carismática encantava onde fosse e suas palestras,
declamações, exibições ao piano, entoando canções populares espanholas, eram
sempre acompanhadas com o maior interesse. Fosse no país natal, em Nova York
ou em Cuba, onde fez estágios, o sucesso sempre o acompanhava, como revela o
biógrafo, seguindo passo a passo suas turnês artísticas e literárias. Em
Nova York, ante um auditório sofisticado e exigente, foi aclamado com
entusiasmo em mais de uma ocasião. Em Cuba, onde permaneceu uma temporada, o
triunfo se repetiu. Apreciou a cultura afro, a música popular, a paisagem, a
poesia e a culinária da Ilha, ainda que ela estivesse sob o tacão do
sanguinário ditador Machado. Por onde passou deixou um ror de amigos e
admiradores. É curioso que na estadia em Paris não tenha feito contato com a
chamada geração perdida, da qual faziam parte Ernest Hemingway, F. Scott
Fitzgerald e outros, em plena efervescência na época. Também excursionou
pela Argentina, onde fez amizade com Pablo Neruda, e pelo Uruguai, obtendo
sempre grande sucesso nas apresentações. Em todas essas andanças estava
produzindo, planejando, anotando, embora no fundo elas constituíssem uma
fuga do ambiente opressor da Espanha. Planejava vir ao Brasil mas não lhe
deram tempo.
Lorca muito havia escrito e falado em defesa da
liberal-democracia, além de simpatizar com as vanguardas artísticas e
literárias que brotavam na Europa. Para os falangistas que, nessa altura,
haviam implantado o terror em Granada, essas constituíam posições de
subversivos, vermelhos e comunistas. Em consequência, o poeta caiu em
desgraça e ficou sob a mira implacável dos repressores. Tomado de intenso
pavor, passou a viver na casa de amigos, mas não faltou quem o denunciasse,
como costuma acontecer nessas ocasiões. Os dedo-duros estavam a postos.
Conduzido à sede do Governo Civil, na tarde de 16 de agosto de 1936, lá
permaneceu trancafiado numa sala. Na noite de 18 para 19, algemado a outro
prisioneiro, foi levado de madrugada à vila de Viznar, até hoje lembrada
como palco de milhares de execuções. E ali, sem o devido processo legal, sem
o sagrado direito de defesa, sem o contraditório e sem ao menos ser
interrogado, Federico García Lorca foi fuzilado de maneira sumária.
Sepultado em cova rasa, na encosta de uma colina, ao lado de outras vítimas
anônimas, sobre ele recaiu o silêncio. Ao transpirarem rumores de que o
poeta havia sido assassinado, o governador, temeroso das consequências,
afirmou que ignorava o destino do mesmo. O PEN Clube Internacional,
presidido pelo célebre escritor H. G. Wells, buscou descobrir o paradeiro do
poeta, sem resultado. A confirmação do acontecimento gerou um coro de
protestos ao redor do mundo e de indignação pela perda injustificável de um
reconhecido gênio das letras e das artes. Federico García Lorca tornou-se
um tema tabu na Espanha. Menções à sua pessoa, sua vida e sua obra
submergiram diante de implacável censura. Só após a morte de Franco tudo
voltou a ser pesquisado, estudado e publicado. Envergonhada, a ditadura
tentou esconder o que havia feito.
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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