Enéas Athanázio
A PÓS-DEMOCRACIA
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Nestes últimos tempos, juristas e cientistas sociais em geral vêm
manifestando crescente preocupação com a deteriorização da democracia no
país. Segundo suas análises, a Constituição Federal de 1988 tem sofrido
constantes violações, muitas vezes por aqueles a quem caberia defendê-la,
colocando em risco o regime democrático conquistado a duras penas e abrindo
as portas do poder para aventureiros do tipo salvadores da pátria, cuja
posse poderá ter resultados catastróficos. Isso tem acontecido com
frequência e é aceito com desinteresse pela sociedade, como se fosse algo
natural e sem consequências. A descrença nos políticos em geral parece ter
anestesiado o povo a ponto de aliená-lo do destino de sua própria liberdade.
O ministro Ayres Brito chegou a afirmar que o Brasil vive uma pausa
democrática.
Acentuam os estudiosos que o país está a um passo de se
tornar um estado policial. A pretexto de combater a corrupção - propósito
muito justo e correto -, todas as violações constitucionais vêm sendo
praticadas com exasperante frequência. Os casos mais evidentes, que saltam
aos olhos, são as conduções coercitivas ao arrepio da lei, as buscas e
apreensões coletivas, as prisões para forçar delações premiadas, as
condenações com base em meros indícios, as operações espetaculosas e
bombásticas, as declarações públicas baseadas em convicções pessoais sem
fundamento em elementos probatórios, a prisão sem o trânsito em julgado da
sentença condenatória, a supressão de direitos sociais e por aí a fora. A
melancólica conclusão é a de que existe uma democracia formal, um verniz
democrático, mas o estado democrático de direito instituído pela
Constituição não existe mais. Vigora um estado pós-democrático. Qualquer
pessoa, mesmo sob vaga suspeita, está sujeita à execração pública sem
remédio ou conserto mesmo quando inocentada. E o pensamento autoritário,
tímido no início, tende a crescer de maneira incontrolável.
A crise
econômica também tem servido de pretexto para medidas duvidosas do ponto de
vista da legalidade e imorais sob um critério ético. Ora, as crises
econômicas são cíclicas e inevitáveis no capitalismo em todos os tempos,
como demonstra a história. Elas sobrevêm sob qualquer administração, seja de
centro, de direita ou de esquerda porque decorrem da junção de fenômenos
imprevisíveis num determinado momento. Enquanto batuco estas palavras,
economistas de renome mundial prevêem uma recessão global a se desencadear
no próximo ano. Esses fenômenos sempre foram usados pelos regimes de força
para justificar arbitrariedades, aqui e alhures. Por outro lado, dizem os
historiadores, muitos foram os casos em que falsas crises foram fabricadas.
É que nesses momentos as grandes corporações tiram proveito econômico porque
para elas pouco importam o povo, os governos e os regimes. Como não têm
pátria, visam apenas o deus mercado e o lucro.
No estado
pós-democrático o poder vai estendendo os seus tentáculos sem observar os
rígidos limites constitucionais e os direitos individuais vão aos poucos se
enfraquecendo, levando até mesmo à ruptura do estado de direito para dar
lugar aos golpes. A história contemporânea da América Latina está repleta de
exemplos, ensejando o surgimento de ditaduras violentas e sanguinárias.
Dentre múltiplos trabalhos a respeito do tema, merece atenção o livro
“Estado Pós-Democrático”, de autoria de Rubens R. R. Casara, publicado pela
Editora Civilização Brasileira (Rio – 2018). Magistrado, doutor em Direito e
professor, o autor faz um eloquente alerta a respeito do que está
acontecendo, a exemplo de uma convocação para a luta em defesa da democracia
em perigo.
Na marcha em que vão as coisas, tudo indica que marchamos
direto para o abismo..
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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