Enéas Athanázio
HEMINGWAY, O REPÓRTER (2)
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Comentei, em crônica anterior, o primeiro volume deste belo e raro livro de
autoria do escritor americano Ernest Hemingway (1899/1961) que se intitula
“Ernest Hemingway Repórter”, dividido em dois volumes, “Tempo de Viver” e
“Tempo de Morrer”, publicados pela Editora Civilização Brasileira, em
tradução de Álvaro Cabral (Rio – 1962). Os dois volumes reúnem uma
criteriosa seleção das reportagens e despachos produzidos pelo escritor como
correspondente de grandes órgãos da imprensa enviado para cobrir importantes
acontecimentos em variados pontos do globo. Enquanto o primeiro volume
contém trabalhos ainda anteriores à II Guerra Mundial, embora já se pudesse
sentir a sua aproximação, o segundo reúne textos escritos no teatro de
guerra, no fragor das batalhas, em tempos sombrios de horror e morte.
Corajoso como foi, Hemingway não se contentava em observar à distância, mas
procurava ingressar no próprio palco da ação “para ver as coisas por
dentro.” Durante a Guerra Civil Espanhola, por exemplo, hospedava-se no
célebre Hotel Flórida e num de seus quartos batucava reportagens enquanto
bombas explodiam na rua fronteira e algumas delas sacudiam o prédio com a
explosão e até o atingiam. Mas nada o detinha e isso lhe proporcionou uma
participação privilegiada nos acontecimentos, razão pela qual afirmou a
crítica que este livro é a “presença viva de Hemingway.” Foi nessa situação,
a dois quarteirões do fronte, que escreveu sua única peça teatral: “A Quinta
Coluna.”
“Tempo de Morrer” se abre com reportagens sobre a Guerra
Civil Espanhola (1937/1939), conflito que ele acompanhou com grande atenção,
percorrendo os locais de combates, mantendo contato com os comandantes,
perambulando por toda parte e se mantendo informado sobre tudo que
acontecia. Percebeu muito cedo os primeiros lampejos da guerra, presenciou o
bombardeio de Madri, fez curiosas observações a respeito da nova espécie de
guerra que ali se travava, viveu momentos em que “a morte passou de raspão”,
testemunhou a debandada final dos refugiados em desespero e percebeu com
antecipação que aquela guerra, no fundo, constituía um treino, uma
experiência, um aperitivo para a grande carnificina que viria em 1939. Era o
confronto pioneiro entre os dois lados que se enfrentariam logo mais, em
futuro próximo. E, como poucos, no próprio cenário das hostilidades, entre
mortos e feridos, destruição e violência, barbárie, valentia, heroísmo e
lágrimas, viveu cada momento do conflito que ensanguentava a Espanha, país
que mais amava.
Seguem-se despachos sobre outras guerras para onde
era sempre mandado. Andou pela China durante a guerra desse país contra o
Japão e, mesmo em meio ao terror das batalhas, não perdia o humor. Em certo
trecho, relata que experimentou vinho de cobra, feito de arroz e com
pequenas cobras enrodilhadas no fundo da garrafa. Dizia que curava a queda
dos cabelos e levou alguns litros para os amigos. Previu com grande
antecedência a derrota chinesa e as barbaridades que se sucederiam. Depois,
durante a II Guerra Mundial, embora fosse proibido, comandou um grupo de
guerrilheiros franceses que o tratavam como capitão. Por esse motivo teve
sérios problemas. Mas entrou em Paris, no momento da libertação, marchando
garboso à frente de seus guerrilheiros maltrapilhos, sujos, famintos,
cansados e junto às tropas regulares. Participou do desembarque na
Normandia, no Dia D, tudo acompanhando de perto. Não se contentava em ser
mero expectador; queria a todo custo participar. A reportagem “Como chegamos
a Paris” é um relato comovente e único sobre a retomada da cidade. No final,
o machão valente tem que confessar: “Nada mais pude dizer então pois senti
uma estranha sufocação na garganta e tive de limpar meus óculos porque,
diante de nós, pardacenta e sempre bela, estendia-se agora a cidade que eu
mais amo em todo o mundo.” Compungido, o valentão tem que confessar que
chorou. Mas, como tudo, um dia a guerra terminou e sobrevieram dias de paz e
bucolismo.
Sucedem-se, então, os dias serenos vividos em Cuba, nos
arredores de San Francisco de Paula. As visitas dos amigos na Finca Vigia,
as pescarias na Corrente do Golfo a bordo do Pilar, os daiquiris da cantina
Floridita e o trabalho literário de todas as manhãs, batucando em pé na sua
máquina de escrever. E as viagens, viagens e viagens. Até que um batalhão de
barbudos desce da Sierra Maestra e toma o poder. Era o momento de exercitar
a prudência e procurar novos ares.
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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