Enéas Athanázio
HEMINGWAY, O REPÓRTER
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O escritor americano Ernest Hemingway (1899/1961) iniciou a carreira
profissional como jornalista e, mesmo procurando abandonar essa atividade
para se tornar apenas escritor, acabou praticando o jornalismo até quase o
fim da vida. Homem ativo, misto de escritor, viajante e aventureiro, foi
sempre destacado por grandes órgãos da imprensa para cobrir os mais variados
e importantes acontecimentos ao redor do mundo. E nessas viagens costumava
aliar o objetivo da missão aos seus gostos pessoais, resultando daí
reportagens vivas e palpitantes, sempre escritas em absorvente linguagem
literária. Escreveu incontáveis textos jornalísticos e sobre os mais
diversos assuntos.
Parte desse material foi recolhido e organizado
por William White num livro muito raro a que deu o nome de “Ernest Hemingway
Repórter”, dividido em dois volumes com os títulos de “Tempo de Viver” e
“Tempo de Morrer”, ambos incorporados às obras completas do escritor e
publicados no Brasil pela Editora Civilização Brasileira (Rio – 1969).
Segundo a crítica, os dois volumes contêm o melhor do Hemingway - repórter e
constituem a presença viva dele. E, de fato, a leitura o confirma, revelando
inclusive que ali se encontra a gênese de algumas de suas obras ficcionais,
esboçadas em linhas gerais.
O volume inicial reúne reportagens
enviadas de variadas partes do mundo, antes ainda da II Guerra Mundial,
embora sua aproximação já fosse sentida no ar de forma trágica e inevitável.
Em inúmeras passagens ele adverte seu país a não se intrometer nessa guerra
europeia com a qual só teria a perder. Nunca foi ouvido e os fatos acabaram
forçando o ingresso dos EUA na contenda.
Nesse volume é publicada a
reportagem que provocou muita celeuma em que ele considerava Mussolini o
maior blefe da Europa e criticava a covarde invasão da Etiópia para exibir
poderio diante de um adversário miserável. Por outro lado, explicam-se os
frequentes desentendimentos dele com os periódicos para os quais trabalhava.
É que aproveitava as ocasiões para pescar truta e atum, esquiar, caçar,
assistir a touradas e beber com os amigos enquanto as coisas aconteciam. Não
obstante, nada lhe escapava e cumpria a missão de maneira exemplar. Além
disso, não tinha medo e se infiltrava nos lugares menos recomendáveis, desde
que ali houvesse ação.
Numa passagem ele escreve sobre o que vai na
cabeça do pescador enquanto aguarda a beliscada do peixe. “Uma boa parte das
coisas em que se pensa – escreveu – não é suscetível de ser impresso...
Algumas dessas coisas seriam o bastante para colocar um sujeito no
xadrez...” (p. 208). Mais adiante, dá um conselho aos aspirantes a escritor:
“Escreva sobre aquilo que você sabe e escreva sinceramente...” (p. 220).
Nos constantes encontros com figurões do cenário internacional,
retratando-os e entrevistando-os, faz curiosas observações a respeito do
poder. “O poder afeta todos os homens que o detêm – concluiu ele em
concordância com outro observador, - de uma certa e definida maneira.”
Segundo eles, “é possível apontar os sintomas desse efeito em qualquer
homem, mais cedo ou mais tarde...” (p. 267). Alguns desses sintomas: um dos
primeiros é a perda da confiança nos companheiros, vendo traições e
armadilhas em qualquer gesto; depois vem a suscetibilidade que não lhe
permite aceitar a menor crítica e, por fim, a crença de que é indispensável
e de que sem ele nada se fará. Em consequência, aos olhos dele, tudo que for
feito para se manter no poder será permitido. Esse mal do poder atinge
honestos e desonestos, sendo que, segundo ele, estes últimos resistem por
mais tempo, “pois a sua desonestidade fê-lo cínico ou humilde, de um certo
modo, e isso protege-o” (p. 268). Resta-nos observar no cotidiano e
verificar o que ocorre entre nós.
Muito mais mereceria abordagem, mas
fica para o próximo artigo.
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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