Enéas Athanázio
SAVARY: A AMAZÔNIA E A URBE
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“Amo o assunto indígena!” (Olga Savary)
Olga Savary é poeta universal mas não se desliga jamais de suas origens
amazônicas. Nascida em Belém do Pará, gosta de lembrar que teve uma bisavó
índia. Sua poesia, em grande parte, se estriba em temas amazônicos, região
que ela conhece por dentro e por fora. A cultura regional, a formação e a
psicologia de seu povo, o modus vivendi, os problemas de natureza
social e tudo que respeita à imensidão da floresta repercute de forma
artística em seus versos cuja estética é sempre ressaltada pela mais
categorizada crítica. O fundo telúrico de sua poética contracena com a
sensualidade que permeia importante parcela de sua produção. O telurismo e a
sensualidade, o amor à terra e ao ser humano são as vigas mestras de sua
obra.
Não obstante, sua vivência urbana no Rio de Janeiro, também a
colocou em destacada posição no meio cultural, literário e social. O
escritor Ruy Castro, em livro de sucesso, lhe dedicou todo um verbete onde
aponta suas realizações e o espírito de liderança com que ela promovia os
mais diversos eventos. Segundo o autor, Savary foi a criadora do “mito” de
Ipanema. “Este se criou a partir das festas pré-carnavalescas da poetisa
Olga Savary, então casada com o cartunista Jaguar, em fins dos anos 50. Foi
nelas que as diversas turmas se agruparam e veio à tona, publicamente, a
Ipanema boêmia, excêntrica e criativa que, na década de 60, se tornaria a
“Ipanema” oficial” (*).
Segundo o mesmo autor, as festas cresceram,
tomaram o bairro, a cidade e, “quando se viu, o Olimpo.” Decidida e
organizada, a poeta era “a mentora intelectual, produtora e responsável por
tudo.” Agarrada ao telefone, convidava jornalistas, escritores, poetas,
cartunistas, atores, artistas plásticos, as grandes mulheres, a turma da
praia e os amigos. (Conhecendo o espírito carioca, imagino que não faltavam
“penetras”). Músicos amadores levavam seus instrumentos e compunham a
orquestra. Cada um dos participantes levava sua bebida. E assim, num clima
alegre e descontraído, a festa se transformava num evento cultural cujas
notícias logo ganhavam todo o país e mereciam a cobertura da imprensa.
As festas de Olga cresceram tanto que não cabiam mais em casas
particulares e passaram a ser realizadas em bares, restaurantes e até mesmo
em teatros.
Outro feito de Olga, muito comentado na época, foi a
disseminação da expressão “dicas”, ou seja, indicações de locais,
restaurantes, bebidas, preços e tudo o mais. Trouxe a palavra para a letra
impressa e hoje está dicionarizada com crédito para ela.
Mesmo ativa
e ocupada, nunca a paraense se afastou das letras e continuava produzindo
bastante e bem. Recebeu o Prêmio Jabuti e publicou as Obras Completas, na
verdade nada completas porque continuou produzindo, como faz até hoje.
Também se tornou conhecida como protetora de escritores e poetas iniciantes,
espécie de madrinha dos novatos. Não são poucos os que muito lhe devem.
Em 2016, em primorosa edição artesanal de Mac/Feira, ela publicou o
livro “Ara”, coletânea de poemas, fato que considerou uma honra porque são
volumes feitos à mão, um a um, mediante uma escolha criteriosa e exigente.
“Ara”, em tupi, significa luz, dia. O livro se divide em cinco partes,
partindo da gênese em busca da essência. Os poemas contemplam a origem, o
índio, a iara, a mulher, a nudez, a erótica, a água, o mar, o rio, a poesia
e, enfim, a vida. Culmina no poema-título, dizendo: “O dia não está/ pra
peixe, o dia/ só serve à poesia.” Porque é a poesia que salva, revigora,
eleva.
Em 1955, homenageando Savary, Carlos Drummond de Andrade
compôs o poema
MIRAGEM
Chegou, impressentida e silenciosa, com uma saudade eslava
nos cabelos e um ritmo de crepúsculo ou de rosa.
Os olhos eram
suaves, e eis que ao vê-los, outra paisagem, fluida, na distância,
sugeria doçuras e desvelos.
No coração, agora já sem ânsia, paira
a serenidade comovida que lembra os puros cânticos da infância.
Logo depois se foi, mas refletida nesse espelho interior, onde as imagens
se libertam do tempo, além da vida.
Olenka permanece, entre miragens.
(**)
_______________________________ (*) “Ela é carioca”,
Ruy Castro, S. Paulo, Cia. das Letras, 1999, p. 277; (**) Olenka é
diminutivo de Olga, em russo.
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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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