Enéas Athanázio
PASSEIO PELA “REVISTA DA AML” (2)
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Tenho em mãos o mais recente número da “Revista da Academia Mineira de
Letras”, instituição que, como se sabe, é uma das mais ativas e respeitadas
dentre suas congêneres (*). Neste número, muitos são os trabalhos
merecedores de atenção e sobre os quais tentarei dar aqui uma pálida ideia.
A revista se abre com um pequeno e substancioso ensaio de Elizabeth
Rennó, atual presidente da Academia, abordando a obra de dois autores
indianistas de forte presença em nossas letras: José de Alencar e Gonçalves
Dias, um prosador e um poeta. Alencar pintou o índio ideal e fez dele o
símbolo do nacionalismo, exaltando a natureza brasileira. “Sua obra, –
escreve a ensaísta – principalmente em “O Guarani”, polariza-se em duas
vertentes: a aristocrática, em que as suas personagens atuam no ambiente da
Corte ou das fazendas ricas do Brasil do século XIX e a popular, nas
cantigas nordestinas, também manifestada na literatura de cordel.” José de
Alencar exerceu grande influência, contribuindo para a formação de uma
consciência nacional, além de ter sido, acredito eu, o mais remoto precursor
do regionalismo literário no país.
Quanto a Gonçalves Dias, depõe
Rennó, “substituiu o mito e a ideologia pela realidade humana e fantasiosa
do indígena. Foi autêntico pelo sangue e pelo viver com os índios,
assimilando-lhes os hábitos e culturas e pelos estudos deixados em “Brasil e
Oceania”, escrito para o Instituto Histórico, e no “Vocabulário da Língua
Tupi.” Apesar de ter sido estudado etnológica e socialmente, o seu índio é o
herói idealizado. O indianismo gonçalvino é específico, autobiográfico,
inerente à sua imaginação poética, substância de sua obra. Não se liga ao
europeu, repassado à concepção do bom selvagem. O brasileirismo que impregna
a sua obra é simples e puro. Gonçalves Dias não foi o introdutor do tema
indianista na literatura brasileira, mas a esta predileção do sentimento
nacional, insuflou vida.”
A abordagem do indianismo é mais que
oportuna, uma vez que no momento os indígenas brasileiros estão acuados e
sob constante ataque dos gananciosos. Além disso, traz-me à lembrança outros
autores que fizeram do índio personagem destacado de suas obras: Montaigne,
Darcy Ribeiro, Antonio Callado.
Em inspirada crônica, José Maria
Couto Moreira evoca Ernest Hemingway e seu livro “Paris é uma festa.” Nessa
obra o escritor americano rememora sua vida em Paris, no início da carreira,
ainda casado com Hadley Richardson, período de muita pobreza, por ele
descrito com evidente exagero. Integrando a chamada “geração perdida”,
conviveu com Gertrude Stein, James Joyce, F. Scott Fitzgerald, Ezra Pound,
Ford Madox Ford e outros americanos auto-exilados na Cidade Luz. Inspirado
pelo livro, o cronista faz um périplo pela cidade, destacando suas obras de
arte, museus, prédios ilustres, ruas célebres, locais de importância
histórica e turística, transmitindo ao leitor o clima da cidade e da
extraordinária cultura francesa. Uma crônica admirável, sintética mas sem
perda de conteúdo.
Paulo Fernando Silveira, por sua vez, aborda a
figura e a obra de Mário Palmério, romancista cujos livros me fascinam e
sobre os quais escrevi mais de uma vez. Educador, político e dotado de
espírito de aventura, viveu em um barco na região amazônica, provocando
geral admiração. “Vila dos Confins” e “Chapadão do Bugre” são obras de
leitura absorvente e seus personagens são inesquecíveis, em especial o
mascate Xixi-Piriá, sempre aprumado, a percorrer a região, vendendo de porta
em porta, mas, para surpresa de todos, capaz de uma reação à altura no
momento necessário. Essas obras – diz o autor – “são monumentos perenes, que
desafiaram o tempo, por várias gerações, e mantiveram incólume o seu
estético valor artístico, como esteios e fundamentos da literatura
regionalista brasileira.” Após outras oportunas considerações a respeito do
escritor mineiro, arremata o autor: “Mário Palmério é nome definitivo na
renovação do regionalismo na ficção brasileira.”
Já Petrônio Braz, em
alentada aula, proferida na Universidade Livre, focaliza o mineiro de Montes
Claros, ou Moc, como ele dizia, Darcy Ribeiro. Antropólogo, professor,
político, ensaísta, romancista, memorialista, criador de museu e de
universidade, além de dotado de espírito de aventura, como revelou nos
“Diários Índios.” Uma das mais extraordinárias figuras do mundo cultural
brasileiro do século passado, sempre apaixonado pelo povo de um Brasil que
tanto quis explicar. “Darcy Ribeiro foi, sem dúvida, um dos antropólogos
brasileiros que mais diversificaram suas atividades”, afirmou com razão Luís
Lopes Borges de Mattos, citado pelo autor. Nesse ensaio o autor faz uma
análise do romance “Maíra”, publicado há quarenta anos mas que continua
atual, uma vez que os indígenas brasileiros vivem as mesmas angústias.
Mostra a genialidade com que a obra foi construída, os personagens bem
identificados e coerentes, suas aflições e conflitos, numa trama que fascina
o leitor até o fim. É a mais completa análise desse romance que encontrei. O
desaparecimento de Darcy Ribeiro comoveu o mundo cultural e, dentre
múltiplas manifestações de pesar, lembra o autor as palavras de Zuenir
Ventura: “Morreu o grande pajé, foi embora o nosso bom selvagem, subiu aos
céus o nosso feiticeiro. A utopia ficou sem sua encarnação. A política, a
ética, a erótica e a poética perderam sua rima rica.” Darcy Ribeiro faz
muita falta, inclusive no Senado Federal, ainda mais quando tramitam
projetos prejudiciais aos povos indígenas.
Jornalista e acadêmico,
Manoel Hygino dos Santos, o colunista mais lido da imprensa mineira, publica
interessante crônica a respeito da cidade de Santos Dumont, terra natal do
célebre inventor. Situada no sopé da Serra da Mantiqueira, orgulha-se do
filho ilustre, ali nascido em 20 de julho de 1873. Como quem pega o leitor
pela mão e o conduz, o cronista palmilha pelas ruas da cidade exibindo suas
realizações, suas indústrias, sua cultura e o modus vivendi de um povo
acolhedor e amigo. É um texto que divulga a gentil cidade das Gerais e
instiga o leitor a conhecê-la.
Por fim, mas não menos importante,
destaco o ensaio de Carlos Perktold, crítico de artes, sobre o conjunto
arquitetônico da Pampulha, um dos recantos mais interessantes e belos do
país, obra de Niemeyer e Portinari, realizada por JK quando prefeito de Belo
Horizonte. Sobre o conjunto, agora declarado patrimônio cultural da
humanidade pela UNESCO, o autor ministra verdadeira aula, abordando sua
história, aspectos arquitetônicos, detalhes estéticos e tudo mais, numa
orientação segura para que o leitor melhor aproveite a eventual visita.
Concluindo, diria que a “Revista da AML” é um grande manancial de
cultura e conhecimento, merecedora de atenta leitura.
__________________________ (*) “Revista da Academia Mineira de Letras”,
Belo Horizonte, Ano 96, Vol. LXXVII, 2017.
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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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