Enéas Athanázio
UMA FICÇÃO SOFISTICADA
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Foi agradável surpresa receber o primeiro volume das Obras Completas de
William Agel de Mello, escritor goiano, com amável dedicatória do autor. O
livro contém os trabalhos de ficção por ele produzidos: dois romances e duas
coletâneas de contos.
Destaca-se aos meus olhos o primeiro romance
denominado “Epopeia dos Sertões”, que li estudando com a melhor das
atenções. É uma obra que se pode considerar regionalista, uma vez que seria
impossível transplantá-la para outro cenário sob pena de desfigurá-la por
completo. Como diria o crítico Lauro Junkes, na sua conhecida divisão, é um
regionalismo mais de fundo que de forma, uma vez que a linguagem empregada é
castiça, escorreita e rica, não havendo abuso no emprego de expressões
locais. É uma linguagem sofisticada. Em muitos trechos ela se aproxima da
melhor prosa poética.
O texto revela um escritor que conhece a fundo
os sertões. A paisagem, a geografia, os usos e costumes, a vegetação, os
animais, a psicologia do povo que os habita, as crenças, missas e rezas, as
doenças e os curandeiros, os crimes, vinganças e tocaias. Observador arguto
e dono de excelente memória, nada escapa ao seu crivo. Registra em muitos
passos os ditos, cantos e versos correntes no meio do povo. Descreve com
precisão tudo que acontece, desde os personagens, coerentes e bem
identificados, as reuniões e festas, os casamentos com todo seu ritual e,
não poderiam faltar, as disputas políticas que acabam descambando para a
guerra declarada.
O romance, porém, não fica nisso, embora já fosse
suficiente para fazê-lo grande. É que o autor, homem de espantosa erudição,
entrelaça sua trama com a mitologia grega, latina, germânica e até egípcia.
Cada episódio importante pode ser comparado, num aprofundamento da leitura,
a episódios míticos, o mesmo acontecendo com numerosos personagens que se
afinam com seres da vasta e complexa mitologia. Também há referências sutis
e alusões significativas a obras da literatura clássica universal. É uma
leitura a ser feita em dois níveis, o literal e o de fundo. As numerosas
notas explicativas feitas por Junito de Souza Brandão, expert no tema,
indicam os momentos em que se verifica esse curioso entrelaçamento. Creio
que é o mais categorizado intérprete da obra do autor. Com muita
propriedade, Antônio Olinto se referiu aos mitos de William. “O que o
narrador busca, e faz,– diz ele – é ligar o mito à realidade.” Todos esses
elementos, conclui o mesmo autor, “tornam este cântico rural chamado
“Epopeia dos Sertões” de uma força capaz de marcar a ficção brasileira desta
segunda metade do Século XX.” E do novo século também, acrescentaria eu.
O romance tem merecido o incontido aplauso de leitores tão exigentes
quanto se possa imaginar. “William Agel de Mello – afirmou Guimarães Rosa –
é finíssima e formidavelmente dotado para levantar a incríveis zênites a
nossa literatura – o que acho, acho, acho.” Jorge Amado, por sua vez,
asseverou: “William Agel de Mello é, hoje, um dos melhores contistas
brasileiros. “Epopeia dos Sertões” é um livro de grande força, que prende o
leitor da primeira à última linha.” Já o referido Antônio Olinto não
titubeia em afirmar que “é um dos melhores romances da literatura
brasileira.” Medeiros e Albuquerque e Antônio Houaiss também se manifestaram
de maneira enfática em favor do romance.
A obra do escritor de Goiás
é oceânica. Além de se dedicar à ficção, é tradutor de numerosas obras,
ensaísta, articulista e dicionarista. É reconhecido como destacado
africanista. Elaborou cerca de vinte dicionários e sua dominação linguística
é desde muito proclamada. Acima de tudo, porém, é um escritor dos mais
responsáveis e exigentes. Considera seus livros como obras inacabadas,
submetendo-os sempre a meticulosas revisões, sopesando com extremado
critério cada palavra e cada detalhe. Talvez por isso tenha interrogado a si
próprio: “Cabe indagar: não é terrível a sina do escritor?”
Para um
despretensioso resenhista e divulgador de livros, comentar a obra de William
Agel de Mello é uma temeridade. Mas, ao mesmo tempo em que me arrisco a
fazê-lo, lamento não tê-lo conhecido antes e me debruçado sobre sua obra.
Foi uma grande perda que agora tentarei compensar lendo seu livro de ponta a
ponta.
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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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