Enéas Athanázio
A CASA DA TORRE
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Em viagem à Bahia, conheci a chamada Casa da Torre, também conhecida
como Castelo da Torre, situada na colina de Tatuapara, no município de Mata
de São João e nas proximidades da Praia do Forte. Construído por volta de
1608, o prédio ainda permanece em pé, soberbo e majestoso, em meio a imenso
jardim gramado e cercado de árvores centenárias, entre elas uma gameleira de
imenso tronco. As paredes de pedra, largas e maciças, resistiram por quatro
séculos às intempéries e atestam a solidez de uma construção feita para
desafiar os tempos e na qual o braço escravo foi decisivo. A capela se
encontra em perfeitas condições de conservação. O local é ponto turístico
dos mais visitados, tanto pela curiosidade arquitetônica do edifício como
pelo seu significado histórico. Situado no alto, tendo o mar aos fundos e as
estradas à frente, o lugar dispõe de uma vista privilegiada, permitindo
divisar de longe qualquer aproximação.
A Casa da Torre foi o solar
principal de um conjunto residencial e militar, com suas torres e seus
anexos. Dali era administrado um dos maiores, se não o maior, latifúndio do
país, que se estendia desde a Bahia até o Maranhão, abrangendo uma área
aproximada de trezentos mil quilômetros quadrados (300.000 km2),
território equivalente ou mesmo maior que o de muitos países, como a Itália,
por exemplo.
Naquele local imperava a dinastia dos Garcia D’Ávila,
fundada pelo primeiro deles, português nascido em São Pedro de Rates, e que
veio ao Brasil na comitiva de Tomé de Souza, o primeiro governador-geral, de
quem seria filho bastardo. Com mão de ferro, instituiu verdadeiro exército
composto de súditos, escravos e índios mansos, e foi ampliando suas posses,
mesmo destruindo as aldeias indígenas e provocando a matança de seus
habitantes. Através da cobrança de aluguéis pelo uso das terras,
participação nas plantações e colheitas, criação extensiva de animais, foi
consolidando tal poderio que até mesmo o governo central temia, evitando
atritos com ele. O governo, por sinal, parecia ver com bons olhos o avanço
do magnata pelas terras indígenas, fortalecendo assim a ocupação dos
extensos territórios por portugueses e brasileiros fiéis à Metrópole
portuguesa.
O primeiro Garcia D’Ávila, fundador do império, teve
vários descendentes do mesmo nome, inclusive mulheres, que lutaram pela
manutenção do imenso patrimônio e o conseguiram enquanto os sertões eram um
imenso vazio. Com a chamada corrida do ouro, as regiões remotas se encheram
de estranhos, entre os quais todo tipo de aventureiros, que foram
estabelecendo posses e formando vilas. O controle e a dominação de tão vasto
território se tornou impossível, mesmo pela força das armas, e o latifúndio
entrou em crise. Em 1835 o solar foi abandonado “por ficar isolado no ermo
da colina, longe de tudo e de todos. Sua manutenção ficou por demais onerosa
para uma família em decadência, despojada, por força do progresso, de suas
terras, de suas rendas”, como escreveu Luciano Costa Reis, autor de um livro
sobre o assunto (*).
Assim, como tudo que é construído com base na
força, o império se esboroou e teve um fim melancólico. O casarão de pedras
é o testemunho silencioso e solitário de um poderio imenso que rivalizava
com os próprios governos locais da época. Suas paredes maciças parecem ecoar
os planos de poder e dominação que por tão longo tempo foram traçados nas
amplas e luxuosas dependências. Embora pouco conhecida e divulgada, só a
história ainda guarda suas lembranças.
Grandes autores escreveram
obras a respeito da espantosa saga dos Garcia D’Ávila, verdadeiro império
dentro do país. Entre eles estão Pedro Calmon, magnífico reitor da extinta
Universidade do Brasil, e Moniz Bandeira.
É um local que vale
visitar.
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(*) “A história do Castelo da
Torre”, de Luciano Costa Reis, JM Gráfica e Editora, Salvador, 2011.
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e.atha@terra.com.br
(1º de novembro, 2017)
CooJornal nº 1.051
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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