Enéas Athanázio
AO PÉ DO VELHO RÁDIO
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Escritor e jornalista experimentado, Danilo Gomes acaba de dar a público
um livro interessante e, ao mesmo tempo, indefinível (*). É uma coletânea de
textos que, no fundo, soam como páginas de memórias de acontecimentos
vividos e de livros que foram lidos com deleite e deixaram marcas
indeléveis. O propósito inicial estava em realçar três figuras marcantes na
vida do autor e entrelaçar as relações entre elas: Juscelino Kubitschek,
Odilon Behrens e Augusto Frederico Schmidt. Esse trio, de uma forma ou
outra, conviveu entre si e com ele o autor manteve relações mais ou menos
próximas, pessoais ou através de leituras, e se confessa fiel admirador de
todos seus integrantes.
No correr das páginas do livro o autor aborda
aspectos biográficos, as atividades de cada um deles, suas realizações,
facetas de suas personalidades e o mais. No conjunto, porém, avulta a figura
do poeta e memorialista Augusto Frederico Schmidt (1906/1965), de cuja obra
o autor tem sido um leitor aficionado.
Poeta e prosador de talento,
Schmidt era um homem múltiplo. Escritor, editor, diplomata, empreendedor,
foi assessor de Juscelino e autor de muitos de seus discursos. Figura
controvertida, criticado com dureza pelos nacionalistas que viam nele um
entreguista a serviço da banca mundial. Não obstante, tinha um faro
extraordinário para descobrir escritores ainda inéditos, tendo publicado
vários autores que depois se consagraram no mundo das letras, entre eles
Graciliano Ramos. Conta-se que, ao ler os célebres relatórios do então
prefeito de Palmeira dos Índios, teria afirmado que ele tinha algum romance
na gaveta e nisso estava absolutamente certo.
Sempre elegante, ainda
que gordo, Schmidt era dono de uma gargalhada fácil, embora na verdade fosse
um nostálgico e melancólico, segundo depõem os que o conheceram de perto
cujos depoimentos são trazidos pelo autor. O poeta mineiro Alphonsus de
Guimaraens Filho, por exemplo, escreveu: “De Augusto Frederico Schmidt me
fica a lembrança de alguém extrovertidamente triste e nostálgico. Nada mais
enganador que a sua ruidosa gargalhada...” (p. 52).
De uma viagem à
Indonésia, ele e a esposa trouxeram um filhote de galo, muito branco e de
crista vermelha. Tratada com desvelo, a bela ave vivia saltitando pela casa,
inclusive sobre a mesa do escritório. Coq, como o tratava a mulher de
Schmidt, se tornou famoso e seu dono ficou conhecido como o Poeta do Galo
Branco, título que daria a um de seus livros de memórias. Muitas fotos em
que aparece o célebre galo foram publicadas, até mesmo na capa de uma
antologia poética de seu dono.
A poesia de Schmidt conquistou
incontáveis leitores e mereceu a aclamação da crítica. Também seus livros de
memórias – “O galo branco”, “As florestas” e “Paisagens e seres” – obtiveram
a melhor acolhida. “Saudade de coisas perdidas, - escreveu ele – de objetos
do passado, de velhos móveis, de ruas antigas por onde não mais passarei
talvez. Saudade de amigos mortos, de amigos de infância, que não reverei.
(...) Saudade do que não fui, de tudo o que desejava ter sido e não fui. Dos
sonhos, das ilusões, do desejo de conforto modesto e de paz que não me
coube. Saudade dos filhos que não tive.” (p. 39). Como acentua o autor, o
poeta “foi um paradigma do melancólico, do saudosista, do nostálgico
incurável” (Idem).
Mesmo tendo vivido tão pouco, Schmidt conquistou
posição de destaque em nossas letras e se colocou entre os grandes poetas da
literatura nacional. Por tudo isso, muito bem fez Danilo Gomes ao retirá-lo
de tão injusto ostracismo.
No correr destas páginas outro tema ocupa
as reminiscências do autor. Trata-se da construção de Brasília, projeto que
vinha de longe em nossa história e no qual poucos ainda acreditavam.
Acompanhando ao pé de um velho rádio Telefunken, o menino de Mariana, se
emocionava com o arrojo e a firmeza com que JK tornava realidade a nova
capital brasileira. Nem de longe imaginava que um dia, com a mulher e o
filho, vindo de Belo Horizonte, “desembarcaria na Rodoviária do Plano Piloto
para morar e trabalhar na Capital que então se inaugurava, no meio das
nossas lágrimas” (p. 92).
Na abertura do livro, Danilo Gomes
homenageia com justiça os cronistas brasileiros de ontem e de hoje. Muitos
deles li ao longo da vida. Henrique Pongetti, Stanislaw Ponte Preta, Otto
Lara Resende, Rachel de Queiroz, tantos e tantos outros... Que falta eles
fazem!
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“Augusto Frederico Schmidt, Juscelino Kubitschek. Odilon Behrens”, de
Danilo Gomes, Brasília, Gráfica e Editora Leal, 2017.
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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
(15 de setembro, 2017)
CooJornal nº 1.045
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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