Enéas Athanázio
DO QUE É FEITO O POETA?
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Palestras, discursos, ensaios, prefácios e artigos foram
reunidos por Anderson Braga Horta no substancioso livro “Do que é feito o
poeta” (Thesaurus – Brasília – 2016), que acabo de examinar. Ainda que seja
poeta por vocação e prazer intelectual, o autor revela amplo domínio sobre
outros gêneros literários, a par de admirável erudição e segura informação a
respeito do meio literário nacional e, acima de tudo, de Brasília, sua
cidade de adoção.
São cerca de uma centena de textos analisando a
obra, a carreira e a personalidade de inúmeros autores que se dedicam ou
dedicaram à poesia ou à prosa, sempre fundamentados em conscienciosas
pesquisas e fontes confiáveis. Entre eles, destacam-se nomes como Almeida
Fischer, José Jeronymo Rivera, Viriato Gaspar, Fontes de Alencar, Luiz F.
Papi, Napoleão Valadares e muitos outros. Além do enfoque sobre a vida e a
obra de cada um, discute vários temas dos mais interessantes, como as
traduções e os tradutores, em especial a complexidade da tradução da poesia,
o significado atual das academias de letras, a questão e o desacordo
ortográfico, o panorama poético de Brasília e outros tantos. O volume se
fecha com uma curiosa entrevista concedida pelo autor, quase toda em versos,
discorrendo sobre sua existência e sua arte.
Cada trabalho mereceria,
a rigor, um comentário específico. Como isso não é possível, cinjo-me a três
deles, sem demérito para os demais: Alaor Barbosa, Fábio de Sousa Coutinho e
Rafael Sânzio de Azevedo. Um goiano, um carioca e um cearense, lamentado que
não haja nenhum sulista que pudesse ser aqui incluído.
Autor de uma
obra ampla e variada, Alaor Barbosa tem incursionado pelo conto, pelo
romance, pelo ensaio, pela biografia e pela história literária, além de ser
profissional do Direito. Meticuloso e exigente, tem produzido obras de
grande envergadura, entre as quais “Um cenáculo na Pauliceia”, creio que o
único estudo completo sobre a vida e as realizações dos integrantes do
chamado Grupo do Minarete, que se reunia em torno de Monteiro Lobato, no
início do século passado. Destaco ainda “Sinfonia Minas Gerais: a vida e a
literatura de João Guimarães Rosa”, monumental biografia do autor do “Grande
Sertão: Veredas”, em que desce a minúcias nunca exploradas, inclusive
palmilhando in loco os caminhos do escritor pelos Gerais goianos e mineiros,
examinando antigos documentos e se avistando com pessoas que o conheceram.
Ele próprio, na juventude, conviveu com Guimarães Rosa. Esse livro foi
vítima de implacável e incompreensível perseguição por uma das filhas do
romancista, fato que dificultou seu itinerário, com evidente prejuízo para o
conhecimento do biografado e seu mundo ficcional. Muito além dessas obras,
Barbosa produziu romances, contos e ensaios de reconhecido valor literário,
todos eles aclamados pela melhor crítica. Recebeu prêmios importantes e
continua em plena atividade. No ensaio a ele dedicado, Braga Horta esmiúça
toda sua produção.
Quanto a Fábio de Sousa Coutinho, depois de
analisar sua família e formação, conclui o autor que ele parece ter nascido
predestinado às coisas do espírito ou do âmbito cultural. Bacharel em
Direito e advogado militante, realizou cursos de especialização no Exterior
e tem ocupado postos de relevo em instituições públicas e privadas. Publicou
importante ensaio na área da ciência política (“Parlamentarismo e
Presidencialismo: a tradição brasileira”) e ensaios biográficos nas páginas
da “Revista Brasileira”, órgão da ABL. Vem proferindo frequentes palestras
sobre temas jurídicos e literários. Foi cronista do jornal mineiro “Hoje em
dia” e se confessa um poeta bissexto. É o atual presidente da Associação
Nacional de Escritores (ANE) e sua gestão se caracteriza pela constante
movimentação cultural.
Rafael Sânzio de Azevedo, por seu turno, é um
incansável e profícuo trabalhador das letras. Professor universitário,
dedica-se ao ensaio, à história literária e à crítica, de preferência da
poesia, mas também de outros gêneros. É poeta, cultivando o hai-cai, o
soneto e outras formas poéticas, sempre com apuro e qualidade. É autor de
ensaios admiráveis, dentre os quais “O parnasianismo na poesia brasileira” e
“A padaria espiritual”, ambos comentados por mim em outros locais. Braga
Horta faz uma análise perfeita da poesia do escritor cearense.
Fechando estas linhas, que já vão longas, reporto-me à referida entrevista
concedida pelo autor. Depois de muitas respostas inspiradas, foi ele
confrontado com a pergunta crucial: do que é feito o poeta? A resposta, que
também é um verso, veio singela e espontânea: o poeta é feito de sonho! Não
poderia haver nada melhor para concluir este comentário..
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
(1º de março, 2017)
CooJornal nº 1.019
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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