Enéas Athanázio
GRANDES ESQUECIDOS
|
|
Meu amigo Trajano Pereira da Silva, um dos maiores lobatianos que conheço,
enviou-me um antigo livro que é uma raridade. Trata-se de “Bastos Tigre e “la
belle époque”, de autoria de Raimundo de Menezes, escritor dos mais
produtivos que tivemos e que ainda conheci quando presidiu a UBE de São
Paulo. O livro foi publicado pela Edart Livraria Editora, que pertencia a
Nélson Palma Travassos, também proprietário da Revista dos Tribunais na
época. Todo ilustrado e com vinhetas, o livro é um modelo de arte gráfica,
reproduzindo inúmeras ilustrações, caricaturas e bicos-de-pena da época que
retrata e foi publicado em 1966. Como diz o título, trata-se da biografia do
engenheiro, poeta, trovador, humorista, jornalista e autor teatral Manuel
Bastos Tigre (1882/1957), uma das figuras de maior relevo no mundo
intelectual brasileiro daquele período, autor de poemas que ganharam a boca
do povo e são lembrados até hoje, como o célebre “Saudade” que começava
assim: “Saudade palavra doce/ que traduz tanto amargor/ saudade é como se
fosse/ espinho cheirando a flor...” Livro minucioso, rico em informações e
fruto de notável pesquisa, percebe-se que, na verdade, a intenção do autor
foi muito mais a de retratar uma época – a “belle époque”, - que
nasceu junto com o Século XX e perdurou durante suas décadas iniciais, que
propriamente biografar o poeta, embora a presença dele seja constante em
todo o correr do livro. Mas o que impressiona, acima de tudo, é a qualidade
e a quantidade dos intelectuais daquele período, quase todos hoje
esquecidos, inclusive o próprio Basto Tigre, de quem quase nunca se ouve
falar.
Dentre eles se destaca a figura de Lima Barreto, o mais
brasileiro de nossos romancistas, sempre casmurro, enfiado pelos cantos e
chamando atenção pelas amargas ironias. Não participava de certas
estudantadas que, segundo ele, seriam “normais” em rapazes brancos mas que
provocariam represálias contra um negro como ele. Estimado por todos, seu
talento era reconhecido, ainda que sua obra só merecesse consagração
póstuma. Destaca-se também a figura de Gilberto Amado, deputado federal,
jurista, jornalista e orador de renome. Na tarde de 19 de junho de 1915, ao
final da costumeira Hora Literária que acontecia aos sábados no “Jornal do
Commercio”, injuriado pelo poeta Aníbal Teófilo, seu inimigo gratuito,
prostra-o com um único e certeiro tiro mortal. O fato abalou o mundo
cultural e parecia o fim do escritor, mas ele foi absolvido duas vezes pelo
Tribunal do Júri e se recuperou aos olhos do povo, chegando a senador e
representante do Brasil na ONU, onde teve brilhante atuação, até hoje
lembrada. Olavo Bilac, o mais admirado poeta de então, João do Rio, sempre
envolvido em polêmicas, Humberto de Campos, o célebre Conselheiro XX, Costa
Rego, tido como um dos maiores jornalistas do país, Antônio Torres,
ex-padre, que propunha a criação do Gabinete de Eliminação de Poetas, anexo
à Secretaria de Segurança, Emílio de Meneses, Medeiros e Albuquerque, Coelho
Neto, Luís Edmundo, Alberto de Oliveira, Martins Fontes, Augusto de Lima e
tantos e tantos que viveram numa das épocas mais brilhantes de nossa
história cultural. Sem esquecer, é claro, Rui Barbosa, Pinheiro Machado,
Machado de Assis, Pereira Passos, Oswaldo Cruz, mais ao fundo mas
complementando o cenário.
Período também agitado em outras áreas, com
revoltas, quebra-quebras e protestos. Depois de um deles, comentando-o,
assim escreveu Bastos Tigre: “Eu nada vi, que não sou tolo/ assim que a
coisa rebentou/ fui me esconder no meu chatô/ que eu nunca fui freguês de
rolo...” Como dizia Gilberto Amado, livro bom traz felicidade.
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
(1º de dezembro, 2016)
CooJornal nº 1.008
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
Direitos Reservados É proibida a reprodução deste artigo em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do
autor.
|