Enéas Athanázio
A ÚLTIMA VIAGEM DO ANDARILHO
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Poucos poetas fascinaram tantas pessoas, em especial os jovens, quanto
Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854/1891). Nascido em Charleville, nas
Ardenas, produziu o melhor de sua obra em plena juventude e depois, numa
atitude singular, nunca bem explicada, abandonou a poesia para sempre.
Quando indagado a respeito, respondia de maneira seca e formal: Não me ocupo
mais disso! Essa afirmação categórica entrou nos anais literários como “O
Silêncio de Rimbaud”. Entregou-se desde cedo a uma deambulação constante,
percorrendo enormes distâncias em trens, barcos, a cavalo e mesmo a pé por
vários países europeus. Era um permanente chegar e partir da cidade natal,
afrontando as iras da mãe, que só via no filho um vadio e inútil, incapaz de
perceber o valor e a importância de uma poesia que influenciou poetas de
todo o mundo e ditou novos rumos à poética universal.
Andou em Paris,
onde teve um “affaire” com o poeta Paul Verlaine, que culminou em desavença
e tiros, tendo este ferido Rimbaud, o que lhe valeu uma temporada na prisão.
Foi a Londres e Berlim. Não satisfeito, enveredou pelo Oriente Médio. Esteve
em Aden e Harrar, entregando-se a negócios variados. Comerciou com peles,
café e até armas, havendo murmúrios de que chegou a traficar escravos, fato
desmentido por seus biógrafos e pesquisadores. Viveu em concubinato com uma
mulher etíope, negra, que ele descreveu como sendo de rara beleza. Fez
muitas relações e conquistou amigos, embora fosse, por natureza, um
solitário ensimesmado e um tanto carrancudo. Foi o primeiro europeu a pisar
o solo de lugares sagrados do Oriente Médio, onde só poderiam entrar os
fiéis. Tornou-se conhecido entre os árabes como Rambô.
A vida
transcorria numa agradável sequência de aventuras. Cavalgadas pelo deserto,
pechinchas com os beduínos, contatos com os figurões e políticos tribais,
intercâmbio com outras cidades, liberdade infinita. Mas o destino tecia sua
trama e uma dor na perna começa a incomodar e vai num crescendo. Incha,
aumenta, lateja. É diagnosticado um tumor e os tratamentos se sucedem. Vai a
Marselha em busca de recursos, mas a doença se agrava e não há outro recurso
senão a terrível amputação. Uma ironia da sorte que um andarilho por vocação
se veja na situação de perder um dos membros inferiores. Mas é a triste e
dura realidade.
Repetem-se idas e vindas entre a casa materna e o
hospital. Luta de maneira denodada para se acostumar com as muletas e a
perna de pau, envernizada. As dores, porém, reiniciam e o tumor reaparece,
alastrando-se pelo corpo, implacável, incurável. Tem início um rosário de
sofrimentos, remédios, terapias, massagens, choques elétricos. O apetite
desaparece, não consegue se alimentar e nem sequer se mover. É uma agonia
prolongada até o derradeiro dia, sempre assistido pela incansável e devotada
irmã Isabelle. A mãe, impermeável, quase não o visita. E assim, depois de
infindáveis sofrimentos, falece aos 31 anos de idade um dos maiores poetas
da extraordinária literatura francesa.
A irmã abnegada trata dos
trâmites para trasladar o corpo a Charleville, cidade natal. Surgem
exigências sanitárias. É colocado num caixão revestido de chumbo e recoberto
com uma camada de carvão. Embarcado no trem e depois numa carroça, é
conduzido ao cemitério de sua cidade. Como únicas acompanhantes, a mãe e a
irmã, num dia frio e nublado, sombrio e triste. Assim termina a última
viagem de Arthur Rimnaud.
Esses fatos e muito mais podem ser lidos no
livro “O Regresso – A última viagem de Rimbaud”, de autoria de Lúcia
Bettencourt, publicado pela Editora Rocco (Rio de Janeiro – 2015). Com
grande elegância e maestria a autora retrata os momentos cruciais da vida
conturbada do grande poeta. Vale a pena.
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
(1º de novembro, 2016)
CooJornal nº 1.004
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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