15/10/2016
Ano 20 - Número 1.002

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio



A QUESTÃO INDÍGENA

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal


O novo século enfrenta uma questão da maior significação para os povos indígenas brasileiros. Ela vem acontecendo mais ou menos em surdina, sem o destaque que o tema mereceria na grande mídia. Esse silêncio, constrangedor e aflitivo, parece esconder desígnios obscuros, carregados de naturais suspeitas. As poucas tentativas de trazer o debate à luz do sol não encontram ressonância, enquanto temas de menor importância ou significado são martelados com irritante insistência. E, no entanto, estou convencido de que se trata da questão indígena por excelência e de implicações muito graves.

Refiro-me à Proposta de Emenda Constitucional número 215 (PEC 215), ora em tramitação no Congresso Nacional, cuja aprovação constitui um perigo para a política indigenista nacional e até mesmo uma ameaça à cultura nacional. O projeto pretende alterar a Constituição Federal para transferir do Poder Executivo para o Poder Legislativo a competência exclusiva para aprovar a demarcação das terras indígenas e ratificar as demarcações já homologadas, além de estabelecer que os critérios e procedimentos relativos à demarcação sejam regulamentados por lei. Segundo juristas que têm estudado a matéria e a opinião categorizada dos indigenistas, as novas disposições legais esvaziariam a FUNAI e interfeririam de maneira negativa na formulação da política indigenista brasileira. Sem falar, é claro, no aspecto político, sujeitando as decisões a bancadas parlamentares, lideranças partidárias, complicadas votações e as conhecidas negociações que costumam cercar decisões importantes no Parlamento. Em vez de critérios técnicos e antropológicos, entrariam em cena os mais intrincados interesses políticos e partidários em detrimento dos povos indígenas.

Essa competência do Executivo para a demarcação e outras providências vem sendo bombardeada com insistência no Congresso, onde diversas propostas de emendas foram apresentadas, todas com objetivos semelhantes. Foram apensadas e apresentado substitutivo que em nada altera as intenções do texto original. Interpretações legislativas forçadas procuram maquiar o verdadeiro objetivo.

Em excelente ensaio publicado em importante revista de cunho cultural (*), o professor e indigenista José Renato de Castro Cesar escreveu o seguinte: “O povo jaz violentado diante das bancadas: evangélica, ruralista, mineralógico-energética, da construção civil, comercial urbana e por aí afora.” Colocar também os indígenas sob o jugo delas seria desastroso. “A sociedade brasileira precisa se manifestar contra a PEC 215, – prossegue ele – pois caso ela seja implantada será o fim do indigenismo brasileiro, reconhecidamente o melhor (e mais castigado) do mundo, e o único capaz de manter viva a memória de mais de 200 povos de línguas e culturas diferentes. (...) Desestruturar a FUNAI é entregar as terras indígenas aos interesses particulares. E a PEC 215 é apenas o primeiro passo para isso. Que a Fundação Nacional do Índio deve ser reestruturada e modernizada é um fato. Mas apenas a ciência administrativa é que pode dar conta de uma análise organizacional e propor as mudanças necessárias.(...) Eis a razão da vida dos indígenas no Brasil estar tão ameaçada”

Não faltam aqueles que atacam a política indigenista nacional, inclusive políticos e parlamentares; Por trás das críticas são visíveis os interesses que defendem. Fazem por ignorar o passado e o genocídio cometido contra os índios e vislumbram apenas os interesses imediatos, pessoais e de grupos, alheios ao sofrimento daqueles que foram os legítimos donos deste chão brasileiro. Como disse Ruy Nedel, “esta terra teve dono!” – E nós a invadimos. Darcy Ribeiro faz muita falta no Congresso Nacional. (**).

Abaixo a PEC 215!
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(*) “Vida de índio. Ou de como viver diante das ameaças à cultura nacional”,
in “Revista da Academia Mineira de Letras, Vol. LXXIII, 2015, p. 89.
(**) A PEC 215 A tem a seguinte ementa: “Acrescenta o inciso XVIII
ao art. 49; modifica o par. 4º. e acrescenta o par. 8º., ambos no
art. 231, da Constituição Federal.
O texto original recebeu várias emendas e um substitutivo,
mas não alteram o essencial.

Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email e.atha@terra.com.br

 

(15 de outubro, 2016)
CooJornal nº 1.002



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC




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