Enéas Athanázio
A QUESTÃO INDÍGENA
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O novo século enfrenta uma
questão da maior significação para os povos indígenas brasileiros. Ela vem
acontecendo mais ou menos em surdina, sem o destaque que o tema mereceria na
grande mídia. Esse silêncio, constrangedor e aflitivo, parece esconder
desígnios obscuros, carregados de naturais suspeitas. As poucas tentativas
de trazer o debate à luz do sol não encontram ressonância, enquanto temas de
menor importância ou significado são martelados com irritante insistência.
E, no entanto, estou convencido de que se trata da questão indígena por
excelência e de implicações muito graves.
Refiro-me à Proposta de
Emenda Constitucional número 215 (PEC 215), ora em tramitação no Congresso
Nacional, cuja aprovação constitui um perigo para a política indigenista
nacional e até mesmo uma ameaça à cultura nacional. O projeto pretende
alterar a Constituição Federal para transferir do Poder Executivo para o
Poder Legislativo a competência exclusiva para aprovar a demarcação das
terras indígenas e ratificar as demarcações já homologadas, além de
estabelecer que os critérios e procedimentos relativos à demarcação sejam
regulamentados por lei. Segundo juristas que têm estudado a matéria e a
opinião categorizada dos indigenistas, as novas disposições legais
esvaziariam a FUNAI e interfeririam de maneira negativa na formulação da
política indigenista brasileira. Sem falar, é claro, no aspecto político,
sujeitando as decisões a bancadas parlamentares, lideranças partidárias,
complicadas votações e as conhecidas negociações que costumam cercar
decisões importantes no Parlamento. Em vez de critérios técnicos e
antropológicos, entrariam em cena os mais intrincados interesses políticos e
partidários em detrimento dos povos indígenas.
Essa competência do
Executivo para a demarcação e outras providências vem sendo bombardeada com
insistência no Congresso, onde diversas propostas de emendas foram
apresentadas, todas com objetivos semelhantes. Foram apensadas e apresentado
substitutivo que em nada altera as intenções do texto original.
Interpretações legislativas forçadas procuram maquiar o verdadeiro objetivo.
Em excelente ensaio publicado em importante revista de cunho cultural
(*), o professor e indigenista José Renato de Castro Cesar escreveu o
seguinte: “O povo jaz violentado diante das bancadas: evangélica, ruralista,
mineralógico-energética, da construção civil, comercial urbana e por aí
afora.” Colocar também os indígenas sob o jugo delas seria desastroso. “A
sociedade brasileira precisa se manifestar contra a PEC 215, – prossegue ele
– pois caso ela seja implantada será o fim do indigenismo brasileiro,
reconhecidamente o melhor (e mais castigado) do mundo, e o único capaz de
manter viva a memória de mais de 200 povos de línguas e culturas diferentes.
(...) Desestruturar a FUNAI é entregar as terras indígenas aos interesses
particulares. E a PEC 215 é apenas o primeiro passo para isso. Que a
Fundação Nacional do Índio deve ser reestruturada e modernizada é um fato.
Mas apenas a ciência administrativa é que pode dar conta de uma análise
organizacional e propor as mudanças necessárias.(...) Eis a razão da vida
dos indígenas no Brasil estar tão ameaçada”
Não faltam aqueles que
atacam a política indigenista nacional, inclusive políticos e parlamentares;
Por trás das críticas são visíveis os interesses que defendem. Fazem por
ignorar o passado e o genocídio cometido contra os índios e vislumbram
apenas os interesses imediatos, pessoais e de grupos, alheios ao sofrimento
daqueles que foram os legítimos donos deste chão brasileiro. Como disse Ruy
Nedel, “esta terra teve dono!” – E nós a invadimos. Darcy Ribeiro faz muita
falta no Congresso Nacional. (**).
Abaixo a PEC 215!
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(*) “Vida de índio.
Ou de como viver diante das ameaças à cultura nacional”, in “Revista da
Academia Mineira de Letras, Vol. LXXIII, 2015, p. 89. (**) A PEC 215 A
tem a seguinte ementa: “Acrescenta o inciso XVIII ao art. 49; modifica o
par. 4º. e acrescenta o par. 8º., ambos no art. 231, da Constituição
Federal. O texto original recebeu várias emendas e um substitutivo,
mas não alteram o essencial.
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
(15 de outubro, 2016)
CooJornal nº 1.002
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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