Enéas Athanázio
DOS TEMPOS DE DANTES
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A média de vida, no Brasil, foi muito curta. Até alguns anos, os brasileiros
em geral viviam pouco, salvo as exceções de praxe. Essas lembranças me
ocorrem ao contemplar, aqui ao meu lado, um livro de grande volume (771
páginas) que me foi oferecido por um amigo paulista que o encontrou num
“sebo.” Trata-se de Vocabulário Jurídico, de autoria de Augusto Teixeira de
Freitas (Sênior), publicado pelo célebre Garnier – Livreiro-editor, com sede
à Rua do Ouvidor, 71, no Rio de Janeiro, em 1883. Lembrando que foi escrito
à mão, ainda com pena de molhar no tinteiro, é de imaginar a dedicação e a
paciência necessárias, além do tempo dedicado a tão exaustivo trabalho pelo
seu Autor. Note-se ainda que é apenas uma das múltiplas obras de sua
autoria. E, no entanto, Teixeira de Freitas viveu apenas 67 anos
(1816/1883). É de perguntar como ainda encontrou tempo para passear, viajar,
namorar, casar, conviver com os filhos e amigos, viver, enfim.
Teixeira de Freitas foi o grande jurista do Império, como Clóvis Beviláqua
foi da primeira República. Ele foi o autor da Consolidação das Leis Civis,
de 1858, que funcionou como verdadeiro Código Civil brasileiro até a entrada
em vigor do primeiro Código Civil, em 1917. A pedido do governo, apresentou
depois seu Esboço de Código Civil, mais tarde dividido em duas partes, e que
foi rejeitado em virtude de “sua concepção parecer avançada demais para a
época.” O mais curioso, porém, é que esse Esboço iniciou carreira própria e
se expandiu pelo mundo. Numerosos de seus dispositivos integraram o Código
Civil Argentino, depois adotado pelo Paraguai, e o Código Civil do Uruguai
também nele se inspirou. Em legislação de outros países latino-americanos
têm sido apontados dispositivos dele retirados, como também aconteceu na
Alemanha, na França, na Suíça, na Rússia, na Itália, no Japão e na China. Em
detalhado levantamento, Sílvio Meira, seu biógrafo, mostra o sinuoso caminho
seguido pelo pensamento e pela obra de Teixeira de Freitas em sua difusão.
Mais curioso ainda é que Teixeira de Freitas se dedicava ao Direito
Privado e acabou sendo o mais universal de nossos juristas, incluindo-se
entre os precursores do Direito Internacional Público entre nós.
Neste Vocabulário Jurídico, com milhares de verbetes, cada um deles é
estudado em minúcia, qual pequeno ensaio. Imagine-se o quanto de pesquisa,
leitura e pensamento isso exigiu, tudo feito no intuito de facilitar a vida
dos profissionais do Direito. Completam o volume vários apêndices contendo
textos e leis referidos no correr da obra.
Folheando essas vetustas
páginas, saltam aos olhos algumas curiosidades. Os empresários, por exemplo,
eram homens de negócio; a falência se chamava bancarrota; a excomunhão
constituía assunto jurídico em face da união igreja/estado; existiam o
arresto do príncipe e a arribada. Em compensação, aforamento, enfiteuse e
laudêmio não existem mais, o que me lembra o quanto queimei as pestanas para
aprender seus conceitos. Para encerrar com uma nota atual, advirto que o
Vocabulário não contempla o verbete “impeachment” e nem tampouco impedimento
com idêntico sentido. É que o Direito da época imperial ainda não conhecia
esse instituto. Imperadores só poderiam ser apeados do cargo de duas formas:
golpe ou revolução. Em caso de fracassos, os cabeças tinham exata noção do
que os esperava. Frei Caneca e Tiradentes que o digam!
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e.atha@terra.com.br
(15 de agosto, 2016)
CooJornal nº 996
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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