Enéas Athanázio
UM CANGACEIRO DIFERENTE
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O mundo do cangaço é repleto de surpresas. Fenômeno típico brasileiro, esse
banditismo organizado e característico fascina pesquisadores e curiosos e
revela aspectos inusitados e figuras das mais curiosas. Entre estas se
destaca o caso de Jesuíno Brilhante (1844/1879) que se orgulhava de não ser
ladrão e foi considerado pelos estudiosos um cangaceiro romântico. Ora, o
cangaço se nutria do roubo, do furto, do assalto e da extorsão, de forma que
encontrar um de seus expoentes, chefe destacado de bando, que foi romântico
e não se apropriava do alheio parece algo impossível. Mas foi essa a imagem
que deixou.
Jesuíno Alves de Melo Calado nasceu no sítio Tuiuiú, na
localidade de Patu, no Rio Grande do Norte, de uma pacata família de
agricultores. Em virtude do furto de uma cabra, gerou-se um conflito entre
sua família e o numeroso clã dos vizinhos conhecidos como Limões. Enquanto
os Alves de Melo eram brancos (“marinheiros”, de olhos azuis), os Limões
eram negros, o que contribuía para acirrar os ânimos, ainda em época de
escravidão. Os brancos recebiam o tratamento depreciativo de “amarelos”,
enquanto os outros eram rotulados com desprezo de “cabras”.
O
desentendimento degenerou em guerra franca e os ataques recíprocos se
sucederam. A velha politicalha interferiu em favor dos Limões e a vida de
Jesuíno se tornou impossível na região. Abraçou então o cangaço e em pouco
tempo já chefiava poderosa quadrilha. Em homenagem a um tio, cangaceiro
célebre, adotou o nome de Jesuíno Brilhante, com o qual se celebrizou.
Segundo a voz do povo, tornou-se o protetor dos pobres, das famílias, dos
fracos e das moças seduzidas. Tirava dos ricos para distribuir entre os
pobres. Obrigava os sedutores a casar e atacava os comboios de provisões do
governo, nos períodos de secas, para distribuir entre os famintos. Virou, em
suma, uma espécie de Robin Hood matuto e foi louvado pelos cantadores das
feiras e mercados na literatura de cordel. Descobriu uma gruta na encosta de
uma serra e a transformou em fortaleza inexpugnável de onde fazia frente a
numerosas volantes policiais – a famosa Casa de Pedra.
O cangaceiro
foi morto em virtude da traição de um seleiro a quem havia feito uma
encomenda e sepultado em cova rasa no próprio local. Anos depois, um médico,
amigo dele, exumou os restos mortais e levou a caveira. Mais tarde ela foi
entregue ao célebre psiquiatra Juliano Moreira. E desapareceu sem deixar
vestígio porque “caveira não tem letreiro.”
Dois foram seus feitos
mais notáveis. Com um grupo de oito cangaceiros, atacou em pleno dia a
cadeia de Pombal, na Paraíba, destruindo-a e libertando 43 presos, entre
eles seu irmão Lucas. Um ano antes, com dez homens, foi à cidade de
Imperatriz, hoje Martins, para buscar uma moça “depositada” na casa de um
figurão local. Cercados pela polícia e cidadãos armados, fugiram ilesos de
maneira cinematográfica. Para isso, arrombaram a parede que ligava à casa
contígua e desapareceram na escuridão da noite. Ambos os episódios tiveram
intensa repercussão e até o governador do Estado determinou “prontas
providências.”
Também merecem referência as “visitas” que fazia à
cidade de Mossoró, afrontando a tudo e a todos enquanto o sertão fervilhava
de escoltas policiais à sua procura.
Jesuíno Brilhante, segundo os
estudiosos do tema, ainda exercia o cangaço com certa ética, coisa que
Antônio Silvino e Lampião, seus sucessores, ignoraram. Conta-se que certa
vez pediu a um fazendeiro rico uma quantidade de dinheiro, um cavalo e uma
vaca, tendo o proprietário negado e dito que, se ele quisesse, pegasse com
suas próprias mãos. “Eu não sou ladrão!” – gritou Jesuíno, indignado. Montou
no cavalo e se foi. Como afirmou Gustavo Barroso nenhuma comparação entre
ele e os outros cangaceiros é possível.
O cangaceiro romântico tem
sido estudado pelos maiores nomes do folclore nacional, como Luís da Câmara
Cascudo, Gustavo Barroso, Múcio Leão, Lauro Escóssia e Raimundo Nonato,
autor do excelente livro “Jesuíno Brilhante, o Cangaceiro Romântico”, edição
fac-similar da Editora Sebo Vermelho (Natal/RN).
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e.atha@terra.com.br
(1º de agosto, 2016)
CooJornal nº 994
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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